quarta-feira, 22 de maio de 2013

O tio de uma amiga minha e o malandrinho abençoado

O tio e tia de uma amiga minha são a calmaria em pessoas. Tão tranquilos que, se você ouví-los cinco minutinhos que seja, é capaz de pegar no sono. Se eles cantarem, então, o estágio do seu sono evolui para profundo. Bem, foi o que a minha amiga me disse. Eu adoraria conhecê-los. E acho que você, leitor, também. Ainda mais com o que vou contar agora. Sabe aquelas histórias que contando ninguém acredita?

O tio dessa minha amiga; se você gosta de nomes, o Júnior, o Tio Júnior vinha caminhando numa avenida bem movimentada, próxima a um shopping "populoso" aqui de Fortaleza. De longe se podia avistar o Tio Júnior andando a passos curtos, não só curtos, estreitos e serenos como os de uma tartaruga madura e experiente.

Vinha com o braço direito muito bem encaixado na cinturinha do seu violão. Caminhava ora de cabeça baixa refletindo, com uma calma incomum, sobre todos os afazeres que lhe aguardavam, ora de careca erguida, contemplando o dia ensolarado e checando se podia atravessar as ruas secundárias sem grandes surpresas.

O fato da avenida ser bastante agitada, todo mundo sabe que não é impedimento algum para aproximação de espertinhos, malandros espertinhos. Sim, o nosso Tio Júnior corria perigo. Apesar de ser a tranquilidade em pessoa, o Tio Júnior não é de outro planeta e muito menos ingênuo. Ele sabe que corre riscos, mas não é isso que vai aprisioná-lo atrás das grades da sua própria casa. Ele precisa ir ao trabalho todos os dias. O médico lhe recomendou caminhadas de manhã cedinho. E além do mais, é tão pertinho. Quatro quarteirões e ele já pode ir abrindo sua lojinha de instrumentos musicais.

Mas vamos logo à parte da história que nos deixa apreensivos. O malandro espertinho também avistou, já de longe, o Tio Júnior. Ia pedalando ao seu encontro. Podemos até escutar agora o barulhinho inconveniente das correntes da bike faltando um óleozinho lubrificante. E então o barulho do freio ao lado do Tio Júnior, e o ladrãozinho inoportuno comunicando pra que veio:

- É um assalto, tio! Passa o celular e o violão!

O Tio, surpreso, mas sem perder o rebolado da sua calmaria, entregou nas mãos do outro os dois objetos desejados. Primeiramente, o celular, e sem hesitação alguma. Depois, o violão, com hesitação sigilosa e com sobrancelhas franzidas desenhando preocupação na testa. Mesmo nesse estado, quando o espertinho virou as costas, o Tio Júnior reagiu. Oh, Céus, o Tio Júnior reagiu ao assalto! Ele disse:

- Vá com Deus! Deus te abençoe!

O malando espertinho, até então se achando muito esperto, tinha sido pego de surpresa. Virou-se de volta pro Tio e perguntou meio arrependido:

- Você é evangélico?

O Tio:

- Não! Espírita.

O ladrão parou pra pensar um instante e tentou negociar:

- Pois vamo fazer o seguinte: te devolvo o celular e levo só o violão!

O Tio Júnior imediatamente respondeu de um jeito tão imediato que não poderíamos nem reconhecê-lo mais:

- Não, meu filho. Fica com o celular e dê cá meu violão, que ele é meu instrumento de trabalho.

E o ladrão, profundamente arrependido e querendo, a todo custo, garantir seu lugarzinho no céu, logo fechou a negociação:

- Ah, tá certo! Taí seu violão. Vá com Deus!

4 comentários:

nofundodagaveta disse...

Nós costumamos achar que somos totalmente bons e os outros, estes sim, são totalmente maus. Mas há sempre um bocadinho de Júnior num Malandrinho, e um bocadinho de Malandrinho dentro do Júnior.
Não que o Júnior tenha pensado - maquiavelicamente - que metendo Deus no meio iria sensibilizar o Malandrinho, na realidade, ele é o tipo de pessoa que veria humanidade onde ninguém mais veria, por ver Deus em tudo no mundo. Mas a ousadia de negociar o bem que mais queria bem, acredito, seja mais característico do Malandrinho que do próprio Júnior. No fundo, no fundo, há sempre elementos que nos unem: o bom, o mau, a sensatez, a ousadia... E eles se conectaram naquele momento, para o bem de ambos, para o bem das nossas risadas.

Elaine Pacheco disse...

Adorei sua leitura da história. (: Boas pitadas do bem e do mal têm nesses personagens da vida real. Eles contam histórias engraçadas e que a gente fica besta só de imaginar que ocorreram de verdade.
Mais uma vez, obrigada pela visita, Michele! ;**

Maia disse...

Eu devo confessar que sou um bocado avoado, ou prefiro ser avoado pra viver nesse mundo. Eu sou daqueles preferem andar de vidro aberto, mesmo com o calorão insuportável da cidade. Mesmo avoado, fico alerta contra o mal, mas prefiro não viver amedrontado diante de tudo. Gostei da leveza da narração e da sutileza que gera mudanças! Nisso eu acredito! :)

Nat disse...

ahahahahhahahahah [podia rir, né?] =X