quinta-feira, 24 de julho de 2008

Confissão repentina

Na vastidão do meu mundo alternativo,
a solidão não existe.

O encontro com a alma desconhecida que ocupa minha carne,
E então, eu nunca estou só, há a presença de um espírito, ele só observa.
Vejo as coisas confusas com uma réstia de clareza.

Um conto de terror gótico absorve minha atenção,
esqueço de pensar em mim e na humanidade.
Vejo e planejo apenas o abstrato,
pensar no futuro me causa um medo horrendo,
talvez eu não seja suficiente a mim mesma.

Ser imperfeito, lapidado pelo amor ao acaso.

quinta-feira, 17 de julho de 2008


Acordou com o ruído dos ponteiros. Coberta por um lençol de um branco alvo, Carolina conseguiu, finalmente, fixar os grandes olhos negros no despertador. Notou o espaço vazio na cama, onde o marido deveria estar sonhando e ainda produzindo os primeiros estrondos de cada ronco. Era assim que a esposa chamava os roncos do marido sonhador’, uma seqüência de estrondos.

Carolina, então, levantou-se e inspirou profundamente como de costume. Fazia isso para intimidar a preguiça que travava sua mente e corpo em todo despertar. Quando o ar se dispersou em seus pulmões, sentiu de imediato o cheirinho de fósforo queimado acordar sua memória. Adorava aquele cheiro. Doces lembranças da infância. Visualizou de imediato a querida mãe acendendo o palito de fósforo para preparar o seu prato favorito no fogão à lenha.


Carolina sempre teve uma memória inquestionável, recordava do passado recente e distante sem muito esforço, mesmo depois de noites mal dormidas e perseguidas por pesadelos. Então, em um flash mais rápido que a velocidade da luz, saiu do cenário rústico da casa da mãe e transportou-se para quatro horas atrás. Estava esquentando o leite, quando a boca do fogão deixou de fornecer fogo. Tinha que trocar o botijão de gás. “- Ah, não”, detestava isso.O marido ainda não tinha chegado do trabalho. Não pretendia esperá-lo, estava com os olhos pesados, só precisava tomar a sua xícara de leite e, num passo único, lançar- se na cama.


Força. Botijão de gás. Leite morno. Ao caminhar até o quarto sabia que tinha esquecido de algo. A luz acesa? Não. Enfim, não se importou tanto. Uma boa noite de sono era sua prioridade no momento. Agora, aquele cheiro de fósforo não lhe parecia mais agradável. Lembrou tarde demais o que tinha esquecido. O marido acendeu o fósforo e o que se ouviu a seguir foi um estrondo. Se Carolina considerava os roncos do marido estrondos, descobriu em uma situação trágica qual o real sentido da palavra. Gritos de agonia e tentativas vãs de fuga da casa em chamas. Tudo isso porque não tinha feito o teste de vazamento de gás. Atordoada, Carolina tentou destravar a janela do quarto, mas desistiu, queria encontrar o marido pela direção dos gritos de socorro.

Tudo estava em chamas. O vilão alastra-se em pouco tempo. Não deixou que os personagens dessa história trágica pensassem em estratégias para saírem unidos dos fatos inesperados. Carolina encontra o marido coberto por fogo. Odor de carne humana queimando. Tantas noites rezando, tendo como ponto de referência visual o crucifixo no centro da parede. Como isso pode ocorrer com um ser humano? Carolina não conseguia pensar. Olhou para os lados num desespero sufocante. Gritos e pensamentos surdos. Não havia qualquer possibilidade de salvar-se.

O inferno veio de encontro àqueles pobres indivíduos, só não imaginavam que seria tão cedo. Morreram ali, na sala de estar, que se empenharam tanto para decorar. Duas vidas mal desfrutadas falecidas, crepitando.






sábado, 12 de julho de 2008

Negra Rosa



...a emoção a invadiu por inteira, jamais imaginou que aquele sentimento pudesse apossar-se de todo o seu ser. Então, pois, o que de fato lhe ocorreu:


Negra Rosa pegava o caminho de volta para casa em leves pegadas. A vida, há muito, já tinha abandonado aquele pedaço de chão tão seco, sem gente, sem semente. Apenas Negra Rosa à espera, na saudade da esperança.

Arrastava- se à horas, mesmo o peso desprezível de seu corpo já lhe era um empecilho à sobrevivência. Vivência era o que ainda de raro tinha. Há 18 anos nesta sina: olhava o espaço infinito acima da Terra, nenhuma nuvem, nem ponto negro de pássaro voando a uma considerável distância. Céu aberto, terra fechada. Terra que rejeita todo e qualquer broto de vida, ainda mais broto verde. O verde de presença insistente nos sonhos perdidos da menina Rosa. O sono vinha para aliviar o vazio do estômago, da alma dos últimos habitantes.

A menina continuava a caminhar. Fazia dias que não dirigia o olhar para cima, seu cansaço não lhe permitia averiguar o tempo, mas neste dia sentiu o vento, prenúncio do renascimento, vir de encontro a sua face exausta.


O primeiro pingo incolor deslizou timidamente sobre a pétala pálida da enegrecida menina Rosa. Foi então que entregou-se de impacto à sensação invasiva. Os joelhos inclinaram-se rendidos. Sem que ela notasse, encontrava-se dispersa na terra rachada, ajoelhada como um ateu convicto da existência divina. Estava de toda envolvida, quando, por milagre, conseguiu estender os braços a fim de acolher a seqüência de pingos.

Pingou, choveu naquela alma. As gotas de emoção que brotavam dos olhos da menina confundiam-se com as gotas de abundância. O sangue voltou a correr freneticamente no órgão rítmico. De volta à vida, tudo o que se viu a seguir traduzia-se no esboço de um sorriso largo na linda face da moça.

De tão intenso o sentimento, abriu espaço para uma existência digna. E a nossa Negra Rosa nasceu agora batizada como Vermelha Rosa, de pétalas incrivelmente belas ao reflexo de gotas d’água.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Da gente

Incrível como a felicidade vem de gente
É o reflexo da sua relação com o seu eu e com os outros eus
Cada pessoa,cada caráter , te acrescenta um algo a mais
E no meio da multidão você se descobre, faz amizades
numa conversa sem muitas finalidades.
Universo feito de gente, de coisas, de abstratos, de concreto
Então, eu passo pelo porta, ela tem porteiro
e aí eu percebo que aquela pessoa tem uma história de vida incrível
Caminho até meu quadrículo, onde tenho um encontro marcado
com a máquina computador, me sinto um tanto sufocada,
Então, meu remédio é ver gente, ser gente, falar com a gente
Muitas histórias que não vivi,mas tenho a imensa satisfação de tomar posse da experiência alheia, dividindo risos e dúvidas.


Ver gente, ser gente, comunicar pra essa gente!

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Minha tela

Minha tela tem um endereço eletrônico
Tem frases e palavras soltas, sem sentido
Tem erros ortográficos
imagens que falam
alfabeto que vê
sonhos adormecidos
medos despertos
Minha tela carrega o mistério da cor,
o segredo pra cessar a dor.
Minha tela acentua meu astigmatismo
Minha tela me telefona ,
ela pede, escreve por mim
mas o que fazer, quando não tenho
mais nada a acrescentar
nessa tela tão raramente visitada?