domingo, 30 de junho de 2013

Cuidado! Elaine escrevendo. Não se aproxime.

Bem que eu poderia mandar confeccionar uma plaquinha com essa frase.

O coitado do meu irmão, toda vez que aparece na porta do meu quarto a fim de conversar besteira, nota que estou muito concentrada no notebook. Ele já sabe:

- Tá escrevendo, né?

Eu:

- É. Sai!

Tadinho.

Calada, passando vergonha.

   E tive toda razão de ficar assim. Vou explicar.

   Fazia tempo, a filhinha da vizinha não me via. Eu também não a via. Até me impressionei ao notar o quanto ela está crescidinha. Fazia tempo, ninguém me via na calçada da casa dos meus pais. "Dos meus pais" porque eu mal piso lá, lá não, aqui; estou aqui agora, milagre!

   Fazia tempo mesmo, quando, quarta-feira passada à tarde, ganhei folga do trabalho. Era o jogo da seleção brasileira. Todos tinham ido, para suas casas ou para as casas dos outros, torcer. Já eu estava indo torcer pelo extermínio do meu eterno sono acumulado. E escolhi a casa dos meus pais para isso.

    Mas antes de eu me render para a cama, resolvi pegar um ventinho na calçada com o passarinho daqui de casa no dedo. Observação: sou contra a domesticação de pássaros. Acontece que minha mãe o comprou quando eu ainda era criança, quando eu achava isso normal. E, mesmo se eu achasse anormal e falasse algo contestando-a, ela não me daria ouvidos. Afinal, eu era só uma criança.

   Mas, sim. Depois de um tempão sem aparecer na tal calçada, surgi da abertura do portão de alumínio. Fiquei encostada na parede, admirando o passarinho, conversando com ele e também observando a filha da vizinha brincar com um amiguinho bem menor que ela. 

   Ela estava pedindo para o pobrezinho carregá-la. Ela em cima de um skate, ele agarrado a uma cordinha amarrada no brinquedo. Ela gordinha, ele magrinho. Ela ria tanto, ele fazia tanta força. Ela gritava tanto, ele se concentrava tanto. Havia uma pequena rampa na calçada da vizinha da frente e, pobrezinho, por mais que se esforçasse, não conseguia fazer o skate chegar até ali com a menina sentada sobre as rodinhas. Fiquei olhando com aflição aquela "arrumação" deles. Deu até vontade de ajudar.

   Ficaram nessa história de superação do menininho até que finalmente cansaram. A menina se levantou triunfante do skate e caminhou no asfalto, em frente à calçada onde eu estava. Mesmo achando-a enorme e irreconhecível, eu a reconheci. Quis chamá-la pelo nome, mas me deu um branco e disse apenas:

- Oi, tudo bom?

     Ela respondeu " Tudo!" e se aproximou de mim, meio incrédula. Como toda criança, soube ser direta me perguntando:

- Dormiu aí hoje?

   Ouvi isso e não consegui responder. Fiquei calada, passando a maior vergonha da minha vida. A minha sorte foi ser salva pelo gongo: criança faz uma pergunta atrás da outra. Ela não seria diferente e, ao olhar para o pássaro no meu dedo, fez outra pergunta logo em seguida:

- Ele voa?

   Então, foi isso. Passei vergonha diante da pequena que cresceu, mas que ainda é criança. Fiquei vermelha e não havia buraco na calçada onde eu pudesse me enfiar. Simplesmente por causa de uma criança me questionando, com a maior naturalidade, se eu ainda dormia na casa dos meus pais. Com certeza, por conta do meu sumiço, ela desconfia de que passo dias dormindo fora de casa. Pior: dormindo na casa do namorado. Que vergonha. Que vergonha dela! Vergonha de mim, aliás.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Temos a mesma idade: 6 anos

6 anos ao lado dele.
Do lado dele. Ele do meu lado.
Mas cada um com seu lado, porque entendemos que Isso não pode ser tão invasivo.

6 anos eu rindo dele, ele rindo de mim. Porque a gente corre o risco de perder o outro, mas não perde a piada.

6 anos me declarando pra ele, ele se declarando pra mim.
6 anos de desentendimentos, porque faz parte. Mas 6 anos de muitos entendimentos também.

6 anos porque o amor é mais forte que qualquer briga boba ou séria. Séria, mas que pode ser resolvida. Encontramos a solução juntos.

6 anos porque o sentimento fala mais alto e pode até gritar com a gente.

6 anos porque o amor é enorme o suficiente para tudo não acabar num piscar de olhos.

6 anos disso tudo e, há 1 ano, ele pedindo pra eu só experimentar um pedacinho do churrasco, e eu negando até o fim.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Eu infiltrada no mundo delas.


  Tem uma coisa em mim; sei lá, pode ser uma forte inclinação como dizem. Não diria com absoluta certeza que é o tal do instinto materno, mas pode ser também apenas curiosidade. Isso, acho que tenho uma curiosidade monstruosa, de tão gigante que é, por miniaturas chamadas de crianças. Disso que já fomos um dia e, quem sabe, ainda somos um pouco.

  Essa minha curiosidade cresce em proporções inimagináveis quando se juntam crianças num grande grupo que brinca (briga, birra) no parquinho. Eu não me contenho e preciso ver de perto várias delas interagindo. Fico parecendo uma bobona sonhando em voltar no tempo. É como se eu me tornasse a criatura mais carente do grupo. Detalhe: infiltrada ali ilegalmente! Desejando, a todo custo, me inserir entre os pequenos, fico tentanto falar a língua deles como se fosse a condição, o ingresso que me dá acesso ao universo mágico deles. Até que eles me aceitem e eu me sinta realizada assim.    

   Num fim de semana desses, eu estava observando a linda (fofinha, "gotosa", espertinha) filha da minha amiga com as outras crianças do prédio. Por um momento fingi estar ao menos um pouco interessada na conversa da roda de mães que havia se formado nos banquinhos do parque. Foi mais forte do que eu. Fiquei mirando as crianças a todo instante. Foi então que percebi que os pequenos também haviam formado uma roda de discussão. Na verdade, uma roda de confusão, boba pra gente, seríssima na visãozinha deles. 

    A confusãozinha estava se passando na cozinha americana do salão de festas do prédio. Eu cheguei perto, tentei entender mais ou menos o que era o pequeno drama e me encostei no balcão pra ouví-las. 

  As crianças menores tentavam entrar no "território" das crianças um pouco mais crescidinhas que elas.  Pouco mesmo, uma diferença bem sutil, mas que pra elas já é uma grande diferença. O espírito competitivo impera ali. A lei do mais forte sobre o mais fraco está claramente representada. 

    Ouvi a menininha dos olhos verdes falando que ali era uma "loja de sopas" e que pertencia ao grupo de crianças maiores. Certo, a cozinha americana tinha se transformado numa loja de sopas. Achei estranho e perguntei:

- Loja de sopas? Não seria um restaurante de sopas?

   A pequena nem deu bola para o meu questionamento sem imaginação. Ignorou-o. Apenas  comunicou que faria uma sopa pra mim. Rapidamente perguntei: "sopa de quê?" Pensei: "Oh, céus, e se ela só tiver sopa de carne? Terei que tomar mesmo assim para não frustrá-la. Afinal, ela nem desconfia que sou vegetariana. Nunca me viu mais gorda (magra)" Mas, para meu alívio, respondeu que era sopa de verduras.     

   Em poucos segundos, muitas crianças se aglomeraram ao redor do freezer. Até os pequenos, que há pouco tinham sido expulsos dali. 

      Eles estavam colocando em cima do freezer os ingredientes da sopa:  

- pétalas de flores do jardim do prédio (importante misturar várias cores)
- cocos (pedras nem muito pequenas nem muito grandes)
- palhas ressecadas de coqueiros.     

   Todos estavam empenhados no preparo da tal sopa. Era o primeiro pedido do dia. A chefe de cozinha (a menina dos olhos verdes) orientava todos a quebrarem os cocos com um brinquedo amarelo "cheguei", que eles faziam de conta que era uma ferramenta culinária.   

   E logo a menina dos olhos verdes estava acrescentando dois cocos na minha sopa que eu já estava fazendo de conta que tomava. O pequenininho ao lado dela viu e, imitando-a, colocou mais cocos no meu prato. Aí a chefe chamou sua atenção dizendo que aqueles seriam para os próximos clientes. E eu acabei ficando apenas com dois na sopa. Estranhei os cocos quebrados ao meio na sopa e pedi um para beber. O pequeno ficou satisfeito. Ele agora teria a oportunidade de me servir. Serviu-me e virou alvo de pergunta chata de adulto:

- Xi, mas como vou beber do coco? Preciso de canudinho.

   Então o pequeno me entregou uma palha de coco que eu deveria usar como canudo. Compartilhei da imaginação dele, claro. Quem passasse por ali, poderia me ver segurando uma pedrinha com a mão esquerda e, com a mão direita, uma palha velha de coqueiro que quase finquei na pedra, como numa combinação perfeita de coco com canudo.

  E desde então, não deixo de observar os pequenos como quem observa seres de um mundo paralelo a este. Um mundo mais feliz e de imaginação sem limites.

Eles que não largam da barra da minha saia

Os textos ainda não concluídos, salvos nos rascunhos do blog, estão sempre puxando a barra da minha saia, dizendo: 

"Ei, me termina logo!"

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Como andam as cabecinhas da nova geração?

   Eu tinha ido ao posto comprar água. Estava pagando no caixa, quando uma menina de uns 9 anos, acho, com farda de colégio, batom rosa, cabelo ajeitadinho, uma princesa, implorava para o pai com voz melosa e quase convincente:

- Ow, deixa eu ir pra próxima manifestação! Vai todo mundo, pai!

   Será que ela faz ideia do que significa participar de um evento desse tipo? Talvez ela não saiba que ir a uma manifestação não é como ir a um show com os amiguinhos. Será que ela acha que, se não for também, mesmo sem causa em mente, será rejeitada pelo grupo? Os amiguinhos estariam apelidando-a de bebê que não vai porque o papai não deixa?

   Daí que a gente fica pensando como isso tudo tá mexendo com as cabecinhas da nova geração. 

terça-feira, 25 de junho de 2013

Eu escrevi sobre o senhor!

   Aconteceu uma coisa maluca agora à noite. Reencontrei com " o trocador de sorrisos da 03". (Quem ainda não viu, vale a pena ler o post em que escrevo sobre o carismático trocador da topic 03).

  Tamanha foi a minha alegria ao reconhecê-lo que, desta vez, resolvi ficar bem pertinho da catraca, em pé e ao lado dele. Fiquei ali no cantinho até chegar na minha parada. Fiquei ali notando que ele não mudou nada. Continua com o mesmo carisma. Continua com seu talento para ser locutor de rádio. Continua fazendo bem aos passageiros que o percebem. Continua um fofo:

- Obrigado! Uma boa noite e até a próxima.

  E sempre finalizando com:

   - Uma boa noite para todos nós.

    Ele também continua devolvendo obrigados:

- Obrigado digo eu!

   E eu ali, perto dele, sempre pensando em como retribuir o bem que ele nos faz. Sempre pensando " Eu preciso dizer algo pra ele" Acho injusto ele ficar sem saber do carinho enorme que tenho justo por ele, um desconhecido. Engraçado, nada a ver se referir a ele como "um desconhecido". Desconhecido muito do querido, isso sim.

   Mais uma vez, durante toda a viagem fiquei pensando se eu deveria falar algo ou não. Falar o quê? Se eu declarasse o meu carinho por ele, com um " Ei, eu adoro o senhor", os companheiros de topic me achariam super estranha, e suspeita. Acontece que esse sentimento vai crescendo assustadoramente dentro de mim e eu viro refém. Fico sem saber o que fazer com tanto amor. Como é difícil, gente, fazer isso tudo caber dentro de uma só embalagem. Não dá! Por isso que estou aqui compartilhando essa história.

   Mais uma vez, minha parada para descida estava se aproximando muito. Eu estava desperdiçando tempo pensando demais. Não me perdoaria se eu não falasse nada pra ele se sentir bem também. Acho que vocês, que acompanharam o relato anterior, também não me perdoariam se eu ficasse muda diante dele.

   Mas, voltando aqui. Minha parada já estava muito, muito perto. Já tinham dado o sinal. Sabe o que ele fez? O meu querido trocador de sorrisos, de gentilezas e de tantas outras coisas boas, viu que eu continuava perto dele e recomeçou a desejar boa noite para nós e para todo mundo. Falou todas essas coisas boas olhando bem pra mim. Parecia saber que eu tinha algo a dizer. Sabia que eu estava passando por dificuldades de me expressar, de falar sobre o que estava sentindo. Lançou olhar curioso pra mim. Sua expressão era de quem diz " Fala. Sei que você quer me dizer algo" O sentimento não coube mais em mim e eu tive que dizer:

- Eu escrevi sobre o senhor.

  Ele estava segurando a prancheta que sempre carrega na mão quando está prestes a finalizar a viagem da noite. Eu vi que ele segurava também uma caneta. Aí eu disse:

- Tem como anotar?

  Mas a topic já estava parada esperando por mim. Ele ficou sem saber o que fazer. Olhou para o motorista como quem pede para esperar. Diante do embaraço e da falta do tempo que eu perdi, tive que descer apressada. Ele ficou curioso, claro. Deve ter se perguntado sobre onde eu teria escrito sobre ele. Numa folha de papel apenas? Outras pessoas teriam lido sobre ele nesse troço famoso que chamam de rede, de internet?

  Não sei sobre o que ele ficou pensando, mas sei que outra vez o trocador de sorrisos da 03 tocou meu coração ao agradecer assim:

- Obrigado! Obrigado pelo carinho e respeito.

    Fez expressão bondosa no rosto. Expressão da mais pura felicidade e gratidão. Quer dizer, mesmo sem saber do conteúdo que escrevi, ele agradeceu com ternura.

     Antes de eu colocar o pé no primeiro degrau da escadinha pra descer, frisei:

   - Escrevi e foi falando bem do senhor! Depois eu mostro!

      Pronto, falei! Não falei tudo que eu queria, mas já me sinto bem melhor agora. Bem mais feliz.


domingo, 23 de junho de 2013

Essa história da gente torcer


Hope Springs, o filme: 

http://www.youtube.com/watch?v=1cVMqWmY1c4



Essa história pra quê?
Pra rir 
Pra chorar com o drama,
Pra gente fazer drama junto

Esse filme pra quê?
Pra rir de novo em poucos segundos
Pra chorar de tanto rir,
Chorar de tristeza
Pra confessar:
- sim, eu choro vendo filme.


Essa ficção com cara de realidade pra quê?
pra gente morrer 
de raiva do mocinho
(que já não é tão mocinho e um tanto ranzinza)
Essa história pra gente
entender o lado dela,
entender o lado dele,
nos colocarmos nos lugares deles
e dos outros
nos colocarmos de volta em nossos lugares


Esse filme p
ra
assistirmos juntinhos

Pra torcermos
(pela seleção brasileira que nada!)
Torcermos pelo casal.
Torcermos pelo
Amor.

sábado, 22 de junho de 2013

O meu humor negro.


  Imagina você descendo do seu último ônibus lotado do dia, a minutos da sua casa, aí vem um desses caras chatos de programas televisivos te dar como brinde a pergunta " Qual o seu maior sonho?" Pior, exigindo de você uma resposta rápida para um questionamento tão complexo. Pior ainda: você ter que passar por isso com um cara apontando pra você uma super câmera profissional como quem empunha uma arma. E você ali enquadrado na cena como um pateta.

   O que acabo de descrever não é apenas uma situação hipotética. Já aconteceu de verdade comigo. Só que não na situação de descer de um ônibus cheio até a tampa, o que seria mais terrível ainda. Nesse dia eu estava indo ao Pão de Açúcar comprar um lanche para levar pro trabalho. Eu estava indo a pé, já que era tão perto. Quando eu já alcançava a metade de uma praça, virei alvo de uma entrevista "relâmpago". No meu caso, o cara chato de programa televisivo que citei no início desse texto não era um cara, era uma repórter que parecia muito apressada. Olhei para o seu microfone e vi que tinha um adesivo grudado nele com o nome do programa. Não me lembro mais qual era, mas sei que tinha a palavra "sonho" no meio.

   Apesar das minhas diversas formas de dizer que não queria dar entrevista. Apesar de confessar pra repórter que me sentia mais à vontade escrevendo do que falando (pior ainda falando com câmeras). Apesar de refletir e concluir em voz alta que não tinha uma resposta pronta naquele segundo. Apesar disso e daquilo outro (eu fui criativa), a repórter insistiu, exigiu, me obrigou a lhe dar uma resposta. Pensei em sair correndo dali. Pensei bem e imaginei que, se eu fizesse isso, de uma pateta eu iria evoluir para a retardada que fugiu correndo. Já que a repórter não me deu outra alternativa, dei respostas que ela queria ouvir. E lá estava eu falando sobre paz, bla,bla, blá, blablá. Uma porção de clichês. É, pedir paz pareceu o pedido mais sensato naquela situação em que me meti, ou melhor, que me meteram.

Certo! Depois de me livrar da repórter e de sua entrevista forçada; e depois de conseguir chegar ao Pão de Açúcar, pensei: "Bom, só o que falta agora é uma promotora de merchandising me abordar com um:

" O que faz você feliz?"

Nesse caso, eu me mataria ali mesmo, juro. Um minuto de silêncio para o meu humor negro agora.


quinta-feira, 20 de junho de 2013

maniFesta.

manifesta, Mundo!
Se manifesta, vai.
Mudo tu não muda.
Mostra a cara e se expressa.
E tenha pressa, que é pra
recuperar o tempo perdido.

Uma hora o povo cansa.
Uma hora, qualquer dia desses, o que estava entalado na garganta desentala.
Uma hora a gente muda.
Uma hora essa hora chega; parece que está chegando.
Quem sabe assim o mundo muda, ou uma pequena parte dele.
Uma melhoria que seja tá valendo.

Manifesta, Mundo!
Mostra a cara
Mostra o corpo inteiro.

Manifesta, Mundo!
Faz a festa nesta merda.
Mas faz a festa sem violência, que é pra
não dar mau exemplo.

Reclama, Mundo.
Mais que isso:
reclama e faz alguma coisa.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Nós, mulheres, somos horríveis. Vocês, homens, também.

    Nós, mulheres, somos uma coisa horrorosa. E não há velha desculpa de t.p.m que nos livre dessa terrível constatação. Um horror não termos o controle de nossa própria língua. Mas, cá pra nós, tem homem que quase se iguala, nos supera, até.

   Longe de mim promover uma guerra entre os sexos. Na verdade, todos nós, mulheres, mulherzinhas, homens, homenzinhos, que seja, nós, pessoas, reparamos em tudo; dos outros. Estamos de olho no outro. Se este vai bem a gente repara. Se aquele outro vai mal reparamos ainda mais. No entanto, pouco reparamos em nós mesmos. Logo, pouco sabemos de nós mesmos. Pouco sabemos do que realmente nos deixa satisfeitos. Desculpa, leitor, incluir você nesse caso usando o "nós", o "nos", mas é que a esmagadora maioria de nós é assim. É ou não é? Vamos ser francos.

  Tem dias que não temos tempo de sentir nosso coração batendo nem o sangue circulando. Passamos rápido na frente do espelho e fingimos que não nos esquecemos, quando, no fundo, a gente está ali pensando em outra coisa; e não em consertar o cabelo assanhado, e não em retocar o batom, e não em garantir a saúde bucal e não em qualquer coisa.

 Mas, voltando aqui, nós temos essa mania feia de reparar. Como se não bastasse reparar, encaramos a vítima da vez e cochichamos a respeito com a discrição mais esdrúxula que temos em nosso repertório.

  Outro dia, vi uma mulher no ônibus virar pra amiga e questioná-la, como quem protesta sem causa aparente:

   - Por que esse óculos, gente?! Por que ela tá usando? (risada sarcástica)

    Adivinha de quem ela estava falando. De outra mulher? Não! Pasme, de uma criança. Uma menina, ali nos seus 7 aninhos, de mãos dadas com a mãe. Estava toda faceira de óculos escuros com armação rosa pink. Certo. Até aí, nada de mais pra mulher ter falado com tanta indignação. Mas era noite. A mulher espantou-se ao notar que a menina estava usando óculos escuros à noite. "Mas que coisa de gente sem noção usar óculos de sol à noite!", pode ter pensado a passageira faladeira. Mal sabe ela que moda de criança é ser espontânea, feliz. Pouco importa se aquilo é inadequado, se foge dos padrões impostos.

domingo, 16 de junho de 2013

A Clarice quase me convenceu com esta história.

   Só ela mesmo para quase (eu disse quase) me convencer de voltar a comer galinhas. Logo eu, sua leitora que está fazendo aniversário este mês de 1 ano de alimentação "vegana", ou seja, nada de origem animal no prato.
   A Clarice quase me pega com sua poesia, com sua "história de tanto amor". Golpe baixo, viu! Poesia, nesse caso, é golpe baixo mesmo. 
   Para que você entenda melhor o meu lado nessa história toda, copio a crônica da Clarice logo abaixo e, ao final, para não perder o costume, lembro e escrevo sobre alguma coisa do meu passado em família. Um passado ainda muito recente se passando nas minhas lembranças de infância e de adolescência.


   " Era uma vez uma menina que observava tanto as galinhas que lhes conhecia a alma e os anseios íntimos. A galinha é ansiosa, enquanto o galo tem angústia quase humana: falta-lhe um amor verdadeiro naquele seu harém, e ainda mais tem que vigiar a noite toda para não perder a primeira das mais longínquas claridades e cantar o mais sonoro possível. É o seu dever e a sua arte. Voltando às galinhas, a menina possuía duas só dela. Uma se chamava Pedrina e a outra Petronilha.

   Quando a menina achava que uma delas estava doente do fígado, ela cheirava embaixo das asas delas, com uma simplicidade de enfermeira, o que considerava ser o sintoma máximo de doenças, pois o cheiro de galinha viva não é de se brincar. Então pedia um remédio a uma tia. E a tia: “Você não tem coisa nenhuma no fígado”. Então, com a intimidade que tinha com essa tia eleita, explicou-lhe para quem era o remédio. A menina achou de bom alvitre dá-lo tanto a Pedrina quanto a Petronilha para evitar contágios misteriosos. Era quase inútil dar o remédio porque Pedrina e Petronilha continuavam a passar o dia ciscando o chão e comendo porcarias que faziam mal ao fígado. E o cheiro debaixo das asas era aquela morrinha mesmo. Não lhe ocorreu dar um desodorante porque nas Minas Gerais onde o grupo vivia não eram usados assim como não se usavam roupas íntimas de nylon e sim de cambraia. A tia continuava a lhe dar o remédio, um líquido escuro que a menina desconfiava ser água com uns pingos de café — e vinha o inferno de tentar abrir o bico das galinhas para administrar-lhes o que as curaria de serem galinhas. A menina ainda não tinha entendido que os homens não podem ser curados de serem homens e as galinhas de serem galinhas: tanto o homem como a galinha têm misérias e grandeza (a da galinha é a de pôr um ovo branco de forma perfeita) inerentes à própria espécie. A menina morava no campo e não havia farmácia perto para ela consultar.

  Outro inferno de dificuldade era quando a menina achava Pedrina e Petronilha magras debaixo das penas arrepiadas, apesar de comerem o dia inteiro. A menina não entendera que engordá-las seria apressar-lhes um destino na mesa. E recomeçava o trabalho mais difícil: o de abrir-lhes o bico. A menina tornou-se grande conhecedora intuitiva de galinhas naquele imenso quintal das Minas Gerais. E quando cresceu ficou surpresa ao saber que na gíria o termo galinha tinha outra acepção. Sem notar a seriedade cômica que a coisa toda tomava:

— Mas é o galo, que é um nervoso, é quem quer! Elas não fazem nada demais! e é tão rápido que mal se vê! O galo é quem fica procurando amar uma e não consegue!


  Um dia a família resolveu levar a menina para passar o dia na casa de um parente, bem longe de casa. E quando voltou, já não existia aquela que em vida fora Petronilha. Sua tia informou:


— Nós comemos Petronilha.


   A menina era uma criatura de grande capacidade de amar: uma galinha não corresponde ao amor que se lhe dá e no entanto a menina continuava a amá-la sem esperar reciprocidade. Quando soube o que acontecera com Petronilha passou a odiar todo o mundo da casa, menos sua mãe que não gostava de comer galinha e os empregados que comeram carne de vaca ou de boi. O seu pai, então, ela mal conseguiu olhar: era ele quem mais gostava de comer galinha. Sua mãe percebeu tudo e explicou-lhe:


— Quando a gente come bichos, os bichos ficam mais parecidos com a gente, estando assim dentro de nós. Daqui de casa só nós duas é que não temos Petronilha dentro de nós. É uma pena.

  Pedrina, secretamente a preferida da menina, morreu de morte morrida mesmo, pois sempre fora um ente frágil. A menina, ao ver Pedrina tremendo num quintal ardente de sol, embrulhou-a num pano escuro e depois de bem embrulhadinha botou-a em cima daqueles grandes fogões de tijolos das fazendas das minas-gerais. Todos lhe avisaram que estava apressando a morte de Pedrina, mas a menina era obstinada e pôs mesmo Pedrina toda enrolada em cima dos tijolos quentes. Quando na manhã do dia seguinte Pedrina amanheceu dura de tão morta, a menina só então, entre lágrimas intermináveis, se convenceu de que apressara a morte do ser querido.

  Um pouco maiorzinha, a menina teve uma galinha chamada Eponina. O amor por Eponina: dessa vez era um amor mais realista e não romântico; era o amor de quem já sofreu por amor. E quando chegou a vez de Eponina ser comida, a menina não apenas soube como achou que era o destino fatal de quem nascia galinha. As galinhas pareciam ter uma pré-ciência do próprio destino e não aprendiam a amar os donos nem o galo. Uma galinha é sozinha no mundo.

   Mas a menina não esquecera o que sua mãe dissera a respeito de comer bichos amados: comeu Eponina mais do que todo o resto da família, comeu sem fome, mas com um prazer quase físico porque sabia agora que assim Eponina se incorporaria nela e se tornaria mais sua do que em vida. Tinham feito Eponina ao molho pardo. De modo que a menina, num ritual pagão que lhe foi transmitido de corpo a corpo através dos séculos, comeu-lhe a carne e bebeu-lhe o sangue. Nessa refeição tinha ciúmes de quem também comia Eponina. A menina era um ser feito para amar até que se tornou moça e havia os homens."

Em "uma história de tanto amor", p. 69-73



    Lembro-me de quando eu era mocinha. Minha mãe criava galinhas no quintal. Houve um tempo em que ela se apegou com uma das galinhas (uma pena eu não lembrar do nome que minha mãe deu a ela; só sei que era engraçado). 
   Certo dia, lá vem minha mãe com sua galinha preferida apertada num abraço incomum. Pediu que eu corresse e voltasse com a máquina fotográfica. O cenário da foto foi o jardim da nossa casa. Registrei as duas bem juntinhas entre as plantas. Claro que a pobre da galinha estava amedrontada com aquela demonstração de afeto repentina. Minha ligeira impressão era de que a ave estava bolando um plano pra cair fora daquela situação embaraçosa somente para ela. Eu ria muito daquilo. Mas não vi graça nenhuma no dia em que vi, da cozinha, minha mãe lá no quintal se preparando para puxar o pescoço da bichinha.
   Eu nunca entendi de onde minha mãe tirava coragem para tal coisa. Que dó da galinha!. Na época, eu adorava e devorava galinha cozida. Eu engolia até os ossos. Mas daquela galinha eu não me fartei. Eu me recusei. Se eu a comesse, me sentiria uma criminosa. Cúmplice de assassinato. Não demorou muito e eu esqueci o trauma. Tinha voltado a apreciar pratos de galinha cozida com cuscuz. Hoje sou vegetariana. Engraçado. Se não engraçado, no mínimo curioso. 

sábado, 15 de junho de 2013

Não vou nem conseguir dormir. O outro bem.

Ganhei o meu dia, ganhei o ano inteiro com isto:

"Ler os seus textos me fazem bem, é uma leitura muito agradável. Parabéns e continue assim." 

Depois de ler um comentário desses no Três Paredes, não vou nem conseguir dormir. 

Que amor, que alegria fazer o outro se sentir bem. 

tresparedes.blogspot.com (:

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Acontece.

É, acontece!

Acontece que 
nem sempre a gente cruza, esbarra com pessoas bonitas.
nem sempre tenho histórias bonitas pra escrever, pra sair espalhando pra todo mundo.
nem sempre eu tô bem pra dar uma passadinha no meu blog.

E acontece que 
ficamos com abstinência de
gestos, diálogos, silêncios de gente bonita.
de mundo bonito, com cenas bonitas de se ver

Acontece que 
sentimos falta de uma espécie de...
humano de verdade, mais conhecido como gente (do bem) 
Sabe gente que pensa mil vezes antes de...
falar mal do outro na frente de uns outros
- pelas costas do outro em questão?
Simples, estou falando de gente que não crava uma faca nas costas do outro
Perdoem a minha falta de delicadeza, mas é que o tema pede isso.
E, sabe gente que pensa bem antes de...
magoar o outro com falas desnecessárias?
Tá difícil encontrar gente assim pra você também?

Acontece; eu sei, você sabe que acontece
Mas é verdade mesmo que
todos nós temos uma metade podre?
Acontece que eu não sei se acredito nisso.

Você aí, acredita?

E acontece que hoje eu estou indo dormir bem mais cedo. Por conta do sono, claro. Mas também porque algumas coisas me cansam. É bem vindo o desabafo. 

Ei, Algo Triste, você é muito bem vindo, tá?

Quando eu era criança, - já consciente de maldade de gente-, minha mãe sabia que há pouco eu tinha derramado água salgadinha dos olhos. Ela me via dormindo um sono profundo. Isso, para ela, era um forte indício de pós-choro da filha. Contou pra alguém uma vez: "- Quando ela chora, ela fica assim, com muito sono."

Já ouvi dizer que o sono é uma artimanha do nosso corpo para o nosso próprio bem. Ele manda você dormir para que possa guardar uma reserva de energia. É uma força para aqueles momentos de poucos recursos; durante a fome, por exemplo. 

Vai ver meu corpo pede pra eu dormir, não na fome, mas na tristeza. Parece pedir pra eu deitar em seu colo. Alisa minha cabeça, passando a mão no meu cabelo, dizendo: "É besteirinha. Vai passar, já vai passar!"
Acontece que
passa?

quinta-feira, 6 de junho de 2013

esses textos dentro de mim

E de novo o conflito: 

Vontade incontrolável de escrever aqui   versus  Necessidade física e psicológica de uma boa noite de sono; e longa, de preferência. Mas, tá, isso só em sonho mesmo. 

Tudo bem! O travesseiro pode esperar, assim como os meus rascunhos esperam também. Vou deixar esses textos dentro de mim cochilarem um pouquinho. Quem sabe eles acordam, com cheirinho de Sol, num tão esperado sábado, dia que eu tenho tempo pra mim (pra este blog aqui).

Vou indo. Boa noite! Um abraço demorado para quem me ler (e também pra quem não me ler).

sábado, 1 de junho de 2013

Reflexos de uma menina maltrapilha

Pela janela do carro eu vi uma (...) menina de rua, menina mendiga, pedinte.

Menina indigente, embora sim, gente, feito a gente. E embora ainda muito diferente, pelo menos pra gente e este nosso olhar preconceituoso. Este olhar que avista uma distância surreal. Mas ela está tão perto. Eu estava tão perto dela. Pude ver uma (...) menina assanhada, descabelada, menina da vida, talvez, menina da vida miserável, apenas. Quem sabe uma menina-menino, menina-mocinha, menina- mulher, já mulher, ou simplesmente menina-menina.

Parece mentira, mas, nos poucos segundos que o tempo me concedeu, já que o pé do motorista pisava no acelerador sem piedade, eu flagrei esta menina, com o sobrenome-adjetivo qualquer que seja, checando sua aparência através do reflexo no vidro da janela traseira de um carro estacionado ali, no centro da cidade. Ela estava no centro de Fortaleza e no centro, no foco da minha visão. O reflexo dela não estava só no vidro daquele carro, estava também em meus olhos. Eu permiti que ela se refletisse em mim. Coloquei-me em seu lugar e quase a compreendi. Assim, eu pude vê-la sendo apenas uma menina vaidosa; menina maltrapilha, mas, ainda assim, vaidosa. O que é de se espantar, pelo modo como estava caracterizada.

Reparei primeiro nos seus cabelos presos e, mesmo assim, descabelados. Vários fios se rebelavam contra o coque sujo. Arredios, eles se espalhavam em todas as direções, encontrando abrigo no vento que o mar soprava. Estava vestindo um blusão cinza escuro, largo e mais comprido que seu tronco. Ali, uma menina sozinha e com as mãos hiperativas, ansiosas para adestrar a madeixa rebelde.

O par de olhos atentos ao vidro do carro que transformou em espelho, como se estivesse num quarto imaginário, como se tivesse um arsenal de maquiagem que a deixasse mais bela. Pra quem ela estaria se arrumando? Pra ela mesma, quem sabe. Para um "paquerinha/ficante", talvez? Menina de rua também pode se apaixonar; pode também gostar de namorar, não pode?

Não acho que ela estava brincando de conto de fadas (" Espelho, espelho meu"); ou estava? É possível que criança de rua brinque assim? Ou será que sua má aparência estava dificultando ela conseguir uns trocados? Alguém poderia confundí-la com uma ladrazinha:"vai trabalhar, vagabunda!", poderia esbravejar um proprietário de um restaurante das redondezas, caso ela entrasse no estabelecimento deixando os clientes enojados.

Sei lá, ela pode ser uma menina de rua vaidosa apenas.