domingo, 25 de março de 2012

Gentilezas por aí

Eu estava esperando a topic. Chovia muito. Comprei um guarda-chuva da dupla de vendedores ambulantes. Um deles tinha que me dar o troco. Enquanto ele procurava, pressionava no seu pescoço o próprio guarda-chuva que o protegia para não deixá-lo cair. Tomei a atitude de segurar uma das pontas para ajudá-lo. Ele parecia ter bastante flexibilidade e costume de se virar sozinho, mas, mesmo assim, eu só ia me sentir bem se fizesse algo para contribuir. Eu não queria que o guarda- chuva dele caísse e ele precisasse sair correndo atrás.

Então, ele puxou meu troco de algum bolso, me entregou e agradeceu. Respondi agradecendo também. É muito mais gostoso responder um "obrigado!" com um outro "obrigado", melhor do que dizer "de nada!". Não vejo importância alguma na palavra nada, ela é tão carregada de nada.

Feita a compra motivada apenas por necessidade, continuei trabalhando minha paciência de esperar algo chegar, no caso, a topic. Aliás, acho isso um bom exercício de paciência, já que saber esperar é uma espécie de controle da ansiedade que todos nós devemos ter. Acho que é bastante digno conseguir o que se quer por meio da força de vontade, mesclada com generosas doses de paciência.

Continuava chovendo muito, quando a topic parou e abriu as portas para aqueles que estavam exercitando suas paciências. As pessoas subiam meio desajeitadas, como que fugindo de cada pingo de chuva. Percebi e ergui mais ainda o meu guarda-chuva pra poder guardá-los também, além de mim. Não dizem que sempre cabe mais um? Foi o que fiz, deixei que coubesse mais de um debaixo do meu guarda-chuva, porque a fila estava até grande e demorava um pouquinho para alcançarmos a proteção debaixo do teto do veículo. O homem à minha frente se deu conta que tinha um guarda-chuva alheio o protegendo. Olhou pra trás, me agradeceu, e eu respondi, dessa vez não com outro agradecimento, mas com um sorriso de satisfação.

Finalmente, todos subimos. Quando passei a roleta, o homem que me agradeceu já estava acomodado numa das cadeiras da frente. Olhou-me como se eu tivesse feito algo de extraordinário; vai ver ele não tá acostumado com gentilezas nesse tipo de ambiente. Mas eu não acho que isso seja raridade; basta estar atento para notar gente gentil ao nosso redor.

Nunca me esqueço do dia em que quase perco a topic. Eu passei ao estágio de perseguí-la no meio termo do andar apressado e do correr, e um senhorzinho, vendo que eu estava cheia de bolsas, bagagens e sacolas, gritou pela topic por mim. Quase ordenou que o motorista parasse pra eu subir. Eu consegui subir, mas, antes, olhei pra trás e fiz o sinal de legal, como agradecimento pelo gesto de empatia do senhor.

É, gentileza é uma coisa tão bonita, que a gente sempre se surpreende com ela e, principalmente, com quem faz ela acontecer.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Trauma é isso?

Nunca mais quis andar, do meu jeito naturalmente apressado, por aquele caminho. Aquele do episódio que detalhei bem aqui " da primeira vez em que fui assaltada".

Aquela rua, aquela descida feito ladeira, onde eu voava deslizando de patins ou de bicicleta quando menina.

Aquela curva da esquina à direita da casa da minha infância, da adolescência reclusa, da minha adultância mundo à fora, acho que, lá, não mais e nem nunquinha na vida vou estar novamente. Ela perdeu a graça; a gracinha de quando eu caminhava tranquila por ela, às vezes sentindo doer o pescoço, de tanto estabelecer contato com a Lua por meio do olhar deslumbrado.

Estou decidida. Não apareço mais por lá. Seria isso o que chamam de trauma?

Quando volto pra casa, sempre passo em frente a essa rua, pensando " sei que é mais rápido por aqui, mas não quero encontrar com ladrão de novo não". Fico com a estranha sensação do acontecimento se repetir toda vez que eu decidir ir por ali. O ladrão vai avançar de novo na minha direção e arrancar violentamente todos os pensamentos que eu tiver pensando na hora. Vou tremer na base.

Então, ignoro aquela opção de trajeto e passo direto pela avenida principal e bastante movimentada. A calçada é muito estreita, vou pelos cantos da pista. E é dessa forma, meio insegura, que me sinto mais segura. Prefiro a infelicidade de motorista maluco vindo na minha direção a de um ladrão roubando meu equilíbrio emocional e psicológico.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Sorte, de Coração!

Há dias que encaixei na minha carteira uma frase boba da autoria de um anônimo qualquer. Procurei a parte mais visível da pobrezinha, onde qualquer coisa que seja colocada ali atrai a atenção dos meus olhos assim que abro, mesmo que impacientemente à procura do dinheiro.

Dentro do bolso de plástico transparente fica a face do papel que contém a afirmação virada pra cima. Já as seis dezenas no verso, as quais, se apostadas, poderiam me tornar uma milionária de um dia pro outro, não têm a menor relevância.

É daquele papelzinho enrolado no "Biscoito da Sorte" dos restaurantes chineses ocidentais que estou falando. Sei que pode parecer infantil guardar esse tipo de coisa. Na verdade, eu nunca ficava com coisas do tipo, mas dessa vez achei prudente ficar e reservar num canto só ao alcance da minha visão e conscientização.

Afinal, o que tinha de tão interessante nesse papel, né? Simples: o Biscoito da Sorte sorriu pra mim e sussurrou assim:

- Você tem um coração amável e é bastante admirado.

A primeira imagem que veio à minha mente foi a do desenho de coração torto que me representa no perfil da rede social. Ganhei de presente da filhinha da minha Madrinha. Ela desenhou uma seta no rabisco pra dizer que apontava pra mim. Eu havia ganho o coração da pequena, ganhando também a responsabilidade de compreendê-lo com empatia, mesmo que interpretando errado, no início, algumas formas imperfeitas rabiscadas. Eu me tornava responsável por alimentar com carinho a demonstração de afeto dela. Eu teria que me tornar cada vez mais amável, justamente por já estar sendo amada.

E assim eu travo uma batalha dentro de mim, principalmente nas segundas-feiras ou em outros dias ruins, para que eu permaneça como o Biscoito da Sorte tentou adivinhar sobre mim. Eu procuro ter sempre um coração batendo de jeito amável no peito. Se o dia não é o meu dia, procuro me policiar para não destratar ninguém. Sei que, se eu falhar nisso, vou sentir o coração sufocar com o laço firme de uma corda áspera. Ele vai bater desritmado; vai me tirar de mim.

Se amanhã de manhã eu acordar e perceber que o dia não é meu, faço com que seja o dia do outro, especialmente do próximo. Se com isso serei admirada ou não, não importa, o importante é ser uma pessoa amável, sempre, mesmo que amanhã seja um dos piores dias para minha pessoa.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Vamos ver Novela e Telejornal.

Aí você surge na casa dos seus pais, "dos seus pais" porque, apesar de ainda morar lá, você sente que não é mais apropriado chamá-la de sua. Afinal, são os quatro fins de semana de cada mês, juntando milhares de feriados do calendário ( exceto o Natal, por favor!) sem estar em família de sangue, mas sim entre as famílias de amizade, de namoro, do namorado, ou mesmo do trabalho.

Aí você aparece em casa, voltando do fim de semana + feriado curtidos na companhia dos amigos e do namorado. Você se materializa na sala e fala " Oi, Pai! Oi Mãe!" na maior cara lisa, lisa não, cara de pau mesmo, como se isso, sempre a escolha pelos amigos e namorado, fosse muito normal.

Quando a gente vai ficando um pouco mais velho, vai se afastando discretamente do lugar "debaixo da asa" dos pais. E quando agrava a sensação de " Meu Deus, o tempo! Passa rápido. Preciso aproveitar a vida já!", você não sai mais discretamente das asas. Chama atenção demais esse processo, já que seus pais estão sempre atentos a você. Então, eles fazem comentários do tipo:

- E as novidades, Filha? Não vai contar? Passa esse tempo todo longe da gente, e quando chega, se tranca, não vem conversar!

E aí você percebe que é o filho mais horrível do mundo! O remorso te ataca com unhas e dentes, - da mesma forma que seus pais defendem você -. Com unhas e dentes, eles viram onças mesmo.

Você fica um tempinho lá na sala de TV, onde eles sempre ficam, talvez menos pra assistir à programação da Globo e mais só pra esperar você desapegar do quarto e ir lá fazer ao menos um resumo de como anda sua vida, como foram os dias de trabalho ou de diversão, - com os amigos + namorado.

Você tinha decidido que não faz mais sentido assistir a novelas ou telejornais, mas seus pais nunca deixam esse hábito; esse hábito que se transforma em uma das formas de você se aproximar deles.

No meu caso, se eu optar pela novela, vou encontrar com minha mãe na sala. A gente, indignada, vai contestar o autor, pensar em deixar de assistir por conta dos vilões que estão dominando. Vamos também adivinhar o que é clichê de acontecer nos próximos capítulos. Eu fico impressionada com os anos de experiência da minha mãe como telespectadora de novela. Ela sempre acerta o que acontece depois, mesmo sem consultar as revistas do gênero "Minha Novela".

Agora, se for telejornal, vou encontrar com meu pai, fazendo o comentário que ele faz todos os anos:

- Olha isso! Você viu, Filha?! Coitadas dessas famílias! Que chuva devastadora!

Então, é isso mesmo. Depois de se sentir o filho mais ingrato do mundo, você decide que vai voltar a assistir às novelas sempre que puder, e também às notícias, sentado no sofá ao lado e bem pertinho do seu Pai.

Bem, se, no seu caso, seus pais não curtirem novela ou telejornal, você analisa bem quais as preferências e hábitos deles e tenta se incluir. Faça-se presente. Esteja sempre presente na vida dos seus pais, porque não é sempre que haverá essa abençoada oportunidade.

Agora eu vou, como diz minha Mãe, "desenfurnar" desse quarto, desligar isso aqui e jogar Damas & Ludos com Eles; aproveitar que não é novela dessa vez.

quarta-feira, 14 de março de 2012

A Origem da Poeira Cósmica e do Muro da Lamentação

Um dia minha mãe chegou pra mim e disse:

- Filha, você é uma Estrela. O Vigia da Rua tava demonstrando as habilidades dele com as cartas e disse pra mim: " Sua filha é uma Estrela".

Eu nunca me esqueci disso, não da habilidade maluca do tal vigia de rua que eu mal via na rua, mas da cara de orgulho da minha mãe. Imaginei logo que a declaração do cara só podia ser pura generosidade. O vigia, entediado com cochilos profundos e baratas e ratos perambulando pelas ruas, na certa, queria finalmente flagrar algo de surpreendente: uma mãe-coruja muito contente.

Vigia Cartomante (...) “Ainda mais essa!”, pensei. Não acredito nesse tipo de coisa. Pra mim, cartas só deveriam ser usadas para truques mágicos ou jogos divertidos com amigos; e não pra enganar os outros. Ainda bem que o Vigia não cobrou minha mãe pela revelação. Fiquei me perguntando quais indícios e palavras minha mãe deve ter proferido pra ele vir com uma frase poética dessas: " Sua filha é uma estrela."

Não entendi, na época e até hoje, a tal revelação tão impactante, principalmente ao me lembrar de vários momentos da vida nos quais me sinto muito mais uma reles poeira cósmica do que uma Estrela propriamente dita. Muitas vezes nem eu mesma me enxergo no reflexo insignificante de grão de poeira só visto com o uso do microscópio. Sou aquela coisinha se escondendo nas lacunas do espaço interestrelar.

Tá, não é tão triste assim; tem dias que a autoestima vem em forma de luz, é a luz prateada da Estrela que atinge a minha poeira em cheio. Aí, chove a Chuva de Prata ao redor da minha aura. Porém, enquanto a luz não se inclina na minha direção, não incide na minha escuridão, eu busco refúgio no que chamo de Muro da Lamentação, ou melhor, Muro das Lamentações. No plural mesmo, porque são múltiplas penas, queixas e infortúnios.

Esse muro é o seguinte: você constrói ele desde que se entende por gente. Desde aquele " Buá, meu brinquedo quebrou!", que hoje, na sociedade consumista, virou " Buáaáá, eu quero isso e aquilo ...e aquilo! Por que não? Eu que-roô!"

No Muro daqui funciona assim: compartilho-o sempre com os poucos, os poucos amigos. A gente abre um pequeno buraco em um dos tijolos pra poder conversar cara a cara, cada qual encostado no seu lado. A conversa, neste sentido, significa troca de lamentos. Você faz o seu amigo ouvir seu chororô pelo leite derramado e, depois que passa um pouco o soluçar, - naquela sensação boa de não ouvir sua mãe ordenando "engole o choro!"-, diz pro outro no outro lado do Muro:

- Poxa, mas eu só falei de mim até agora, né! E você?

Outro dia cheguei até minha mais nova amiga, muito especial aliás, e desabafei meu descontentamento, assim, por alto mesmo:

- É, hoje foi um dia que me senti uma ervilha, de tão minúscula diante de uma situação.

Ela, fofa como é, comentou com um “Oww” e logo se fez toda ouvidos:

- O que houve?

E assim despedaçamos o primeiro tijolo, abrimos um círculo no meio dele. Começamos a compartilhar nossos Muros das Lamentações, transformando-os em um só, cada uma do seu lado, olhando para o lado da outra através do pedaço quebrado, como quem se posiciona pra encaixar o olho no olho mágico de uma porta, como pra saber quem aperta a campainha, pra depois convidar para entrar.

terça-feira, 13 de março de 2012

Há que se ter um Diário.

Há que se ter um Diário. Você tem que sentir essa necessidade, caso contrário, há algo de errado. Embora existam aqueles momentos em que você pensa " Estou cansado de pensar. Hoje eu não quero pensar."

Há que se alimentar a mente de pensamentos sigilosos; é saudável. É preciso criar e lapidar reflexões que só pertencem a você e a mais ninguém. Nem tudo se expõe aos outros. Deixe que os metidos se ocupem um instante de se meterem com suas próprias vidas.

Dividir uma vida com alguém que se ama não implica em ter de revelar o seu Diário, lê-lo em voz alta para o outro. Há de se manter viva a sua individualidade.

Quando me refiro a Diário, este não é necessariamente aquele mini-livrinho, antes todo em branco, agora escrito à mão, pacientemente, a cada dia. Um Diário pode ser simplesmente um diário, ocupando seu devido espaço lá na nossa cabeça, cuja fábrica de concepções pode ficar a todo vapor durante 24 horas ou quantas horas durar nossa existência.

Quando completei 15 anos, eu não fiz questão de festa, eu não dancei valsa com príncipe encantado algum. Eu já tinha príncipes e sapos inventados por mim mesma. Eu fantasiava muitos amigos, quando eu não tinha nenhum. Eu me escondia na minha delicada fase da Adolescência "encabulada".

Foi quando fiz um presente que eu me daria nos meus 15 anos. Busquei várias folhas de ofício A4 no armário. Dobrei-as ao meio e montei uma encadernação. Usei lápis de cor pra pintar a capa e a contracapa. Coloquei o título: " Elaine. 15 anos." Daí em diante, eu escrevia freneticamente reflexões de moça-menina. Eu descobri o gosto pela escrita. Na agenda do Colégio, eu derramava versos sobre coisas que nem entendia. Sobre amor, paixão, Lua, Flor e Sol. Eram rimas em clichês, das quais eu logo ria quando terminava de escrever. Sim, muitas vezes eu ria do que escrevia, mas também chorava, porque as palavras não eram suficientes pra afastar a solidão um pouco de mim.

O fato é que meu Diário não chegou a ter muitas páginas rabiscadas. Um dia, temi que alguém o lesse. Eu não queria que coisas só minhas pertencessem aos outros, aos meus pais, ao meu irmão, seja lá quem fosse. Decidi rasgar o Diarinho em vários pedacinhos. Todas as letras e palavras, frases toscamente formadas, foram direto para o lixo. Entretanto, os pensamentos que eu extraía delas continuavam incrustados na minha mente; na mente de onde, se eu guardasse bem a sete chaves, ninguém poderia ler os meus segredos. Afinal, há que se ter mistérios e, com isso, despertar fascínios. Há que se ter reflexões secretas. Tudo isso é preciso.

domingo, 11 de março de 2012

Pombo no jantar

O que leva uma pessoa a ter a perversa ideia de aproveitar que atropelou um pombo mesmo e carregá-lo pra servir de prato principal ( mistura) na refeição?

Tudo bem que eu fiz um texto aqui sobre minha suspeita de que os pombos vão dominar o mundo, mas esta pessoa má, dessa história que conto, não sou eu, não! Pobrezinho do Pombo, meu Deus!

sexta-feira, 9 de março de 2012

A Dança de olhar nos olhos

Amanhã, todos os sábados, tem a aula de dança. Dança de Salão, de Samba, de Bolero, de Forró ( pé de serra, graças!). Também tem uma muito difícil: a dança de olhar fixo nos olhos do par.

Eu sempre tive dificuldades de olhar nos olhos de pessoas desconhecidas. A minha timidez se revela com tanta força, que só consigo levar meu olhar para qualquer canto do Mundo, menos para as pupilas do outro.

Com quem não conheço bem, sinto que, se eu olhar, estarei, sei lá, invadindo a intimidade alheia. Ao mesmo tempo, sinto o contrário: alguém a encarar algo que tenho, temos de mais profundo: a alma, o espírito, a aura, seja lá como for dado o nome a este boi.

O professor grita " Troca", e lá estou eu, no dois pra lá, dois pra cá, tentando me sentir confortável naquele ritmo imprevisível de olhares.

"Concentração!", me ordeno mentalmente. Par desconhecido, mas prossigo pra não perder a marcação.

E no meio do salão, eis que encontro alguém, - com quem não tenho nenhum receio de olhar bem no olho: é o meu par; aquele que chamei pra dançar juntinho alguns anos atrás. Foi este mesmo que passou e-mail, completamente empolgado, me convidando pra fazer a matrícula na aula do professor da Dança dos Famosos. Somos chiques, bem!

quarta-feira, 7 de março de 2012

Bicho Papão, que nada!

Eu tinha, ainda tenho, esquecida dentro de algum compartimento do guarda-roupa imenso, uma colcha de cama do Michey fazendo seu espetáculo em completo breu, a não ser pela luz focada no seu palco de algodão. Uma luz bem amarela, tendo ao seu redor uma tinta especial que brilha na escuridão do quarto.

Eu lembro como se fosse hoje, do menininho bochechudo, meu amiguinho bem mais pequenininho do que eu, sair correndo na iminência do choro, - depois de eu desligar a luz e fechar a porta do meu quarto pra mostrar o Mickey muito exibido, cantando sobre o palco "montado" na minha cama.

Lembro que saí perplexa atrás dele, perguntando:

- Você tem medo de escuro? Mas é o Mi-ckey!!!

Pensando melhor, hoje, acho que o pavor dele pela minha colcha "espetacular" era por achar que o Bicho Papão podia se disfarçar de Mickey.


Eu não tinha medo de Bicho Papão. Eu não tenho medo de Bicho Papão até hoje. Tenho medo de coisa pior, de coisa real.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Derretidos

Sentada na parada de ônibus hoje, vejo um homem se derretendo inteiro num sorriso bobo. Olho na direção que ele olha com olhar que só me lembra paz, e o que vejo?

Uma neném feliz da vida, brincando de ficar em pé na barriga da mãe. Eu me derretí também. Contagiante que nem bocejar isso.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Da primeira vez em que fui assaltada

Brincando com o título do post anterior, mas falando sério agora:

Eu pensei que eu fosse noiada igual a minha mãe, mas o episódio de hoje me provou o contrário.

Eu pressenti que o carinha da bicicleta iria me assaltar em instantes. Ele até disfarçou bem. Olhava como quem não quer nada pra trás, especialmente pra euzinha aqui, baixinha e indefesa. Percebi e analisei as roupas dele; pensei: " Hum, ele tem aparência de ladrão." E o anjinho do outro lado disse:

- Olha, não julgue as pessoas assim. Isso é preconceito, hein!

E o diabinho flutuando no lado esquerdo resolveu desafiá-lo:

- Ah, é?! Então, espera. Se o cara ali olhar de novo pra trás é porque ele vai, sim, fazer maldade com a sua protegida. Espera, espera pra ver!

E o carinha, todo estiloso na sua moda de ladrão, além de olhar pra trás de novo, ainda fez mais: fez uma manobra de meia volta pra ir ao meu encontro. Freou, abandonou a bike possante no chão e disse, com as mãos embaixo da blusa:

- Tô armado. Passa só o celular, só o celular!

A minha vontade, guardada sigilosamente dentro dos meus pensamentos, era de sumir, 'pa-puf', desaparecer numa fumaça igual a do Gênio da lâmpada. Procurei o anjinho, e até o diabinho, mas eles já tinham sumido, e do jeito que eu desejava, na fumacinha branca.

Senti o sangue descer completamente e fiquei plantada que nem pé de bananeira na curva da esquina. Mas pensei na hora, que eu era mesmo uma sortuda. O cara fez questão de dizer que só queria meu celular ( meu pouco dinheiro na carteira, meus documentos e minha vida não, talvez sim, se eu não colaborasse). Quando lembrei do que eu chamava de "celular", veio uma espécie de alívio. "Já estava mesmo precisando trocar", pensei e entreguei o Motorola velho e arranhado.

O cara estava quase retornando pra bike, quando meu cérebro mandou que eu dissesse de jeito dengoso, como uma criança pedindo chocolate pro pai:

- Ow, me dá o chip! Por favor...

- Tira, tira!

- Vixi! Tá duro de sair. Tô nervosa. Tira pra mim, por favor!
( e a minha crise de riso deu o ar de sua graça. Estava morrendo de rir de mim mesma. Acho que o ladrão tinha certeza de que eu não ria dele. Por isso, não atirou.)

- É só dá uma batida no chão! Pega, pega!

Eu, nervosa com o troca- troca, quase que saía com o aparelho e ele com o chip. Mas ele, em mais um gesto de generosidade, tomou o corpo do celular da minha mão, entregando ao mesmo tempo o tão querido chip pra mim.

O que eu disse a ele?
- 'brigada, 'brigada. Obrigada, viu!

Quando estava me achando A Sortuda, os vizinhos, os benditos vizinhos gritaram da calçada:

- O que tá acontecendo aí?

Foi a hora em que eu mais temi pela minha sobrevivência. Apressei o passo pra me distanciar do "point" do crime. O ladrão saiu voando na bike e os vizinhos no carro atrás dele. Olha, eu posso até ser corajosa de pedir favores ao ladrão, mas sou fichinha perto dos vizinhos justiceiros.

No fim de tudo, eu percorri a rua da minha casa muito satisfeita com o chip na mão e com a minha vida tremendo, mas guardadinha dentro do meu corpo.