quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Você não é esse monstro

Não queremos herdar seu jeito. Não pode ou não deveria ser genético esse ódio imediato. Não é raiva, o que você sente com frequência é ódio. Ah, se você não se importasse tanto com coisas sem importância.

Não podemos herdar suas emoções, seu mau humor, seu olhar de desprezo. No íntimo, sabemos que você não é esse monstro que eles desenham. Não permitimos que falem mal de você.

Se pudesse respeitar quem te ama, se fosse menos temperamental, estaríamos em paz. Não é verdade que ninguém muda. Você pode mudar. Enquanto não houver transformação, vedaremos nossos ouvidos como para fazer de escudo. Assim, não sentiremos o impacto de suas palavras.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Do vasinho de barro

Você nasceu no raso do vasinho de barro e, mesmo naquele vazio, você decidiu resistir. Suas folhinhas secavam,embora tivesse muita água na telha ou na torneira. Encontrava-se em ambiente fechado: às vezes escuro, mais vezes claro. Mas a luz era um tanto esquisita. Tinha certeza que esta não vinha emitida da pequena bolinha de fogo amarelo-branco no céu. Algumas vezes pôde sentí-la enquanto estava sendo "criada".Logo ficou pronta para ser vendida no supermercado.Era como um filhotinho de cachorro, esperando ser comprada por alguém com sensibilidade aflorada.

Ali, sentia tanta ausência. Faltava no ar a dancinha do vento que faria suas múltiplas "mãozinhas", tão murchas, bailarem junto. Faltava o carinho de gotinhas cristalinas deslizando sobre sua superfície. Diante de tamanha carência, percebeu que não lhe faltava esperança e persistência: contemplou seu próprio pedacinho, uma réplica minúscula, crescendo pacientemente a cada dia no canto do seu braço-galho exausto.

Outro dia, um grande dia, alguém não a rejeitou ao ver suas flores tristes, o que era um evidente contraste em relação às outras que chegaram há pouco ainda muito vistosas. Então, mãos pequeninas aproximaram-se para regá-la. Das pontinhas dos dedos redondos de alguma menininha que passava ali, pingaram gotinhas. Caíram sobre suas flores desbotadas, que em poucos instantes recuperaram a vida. Foi transportada pela aquela pessoinha e posta na esteira do Caixa, na qual observou uma troca. Viu na tela da máquina poucos números depois de uma sigla assim: R$. Como uma mercadoria qualquer foi enfiada, com um toque frio da moça do Caixa, dentro de um saco plástico.

A menininha a levou para um lugar onde havia outras plantas. De repente, viu-se fora do vaso. Acompanhada de adubo, muita terra úmida e outras semelhantes a ela,sentiu as mãos da menina em conchinha, diagnosticando o que estava morto em seu corpo para podar. E assim,voltou a ser tão completa quanto uma paisagem.

sábado, 9 de outubro de 2010

Literatura - sugas

"Não!" Grita o colecionador para aquelas criaturas estúpidas, famintas. Minúsculas, compridas. Já gordas, entupidas de papel que um dia serviu pra carregar e exibir narrativas envolventes. Sim, eram Traças traiçoeiras, agindo à surdina.

O mais inacreditável é que à pouco estava ali o árduo trabalho de pesquisa do escritor. As palavrinhas escolhidas à dedo e de coração descansavam tranquilas sobre as folhas; cheias de história pra contar.

Foi um Terror(!) aquele sábado de manhã ensolarado para o colecionador que se interessava, comprava, lia, guardava cada obra em um lugar até então seguro, sua estante. E agora é assim, resolve-se espanar a estante e as palavras já não estão mais onde foram impressas. Ficou imaginando as pobrezinhas espremidas naquelas bocas de papel sugas. A leitura foi reduzida a um banquete, a muita fartura para as pestes imundas.

Mas o tal colecionador não se conformou. A sorte é que a situação não estava tão preta assim, pois somente um livro foi atacado pra valer. Apoiou as vítimas da covarde ação de comilança sobre uns encostos para um belo banho de Sol. Não demorou muito e logo se viu a agonia dos pequenos bichos gosmentos a fugirem atordoados da quentura.

Sabe-se lá de onde a praga veio e como se multiplicou. O dono leitor resolveu não perder tempo pensando na origem daqueles seres destruidores. Agora seria ele a exterminá-los. Os livros continuaram expostos ao Sol, enquanto o colecionador, tomado por tamanha indignação e ódio, decidiu por abaixo a mobília embutida na parede do quarto. E assim fez, arrancou-a com as próprias mãos.

Assustou-se, depois, enquanto contemplava os ferimentos da pele em pleno pranto de pavor. Sentia-se doente e apenas procurava entender por que somente ele não conseguia suportar conviver com as milhares de pragas do mundo.

Feriu-se, mas ao menos tentou desabrigar toda espécie que morava na grande estante. Eram cupins, traças, aranhas, baratas. "Suas pestes. Argh(!)", pensou, "ou morrem vocês ou morro eu".

domingo, 19 de setembro de 2010

Grandes Coisas para Os Outros

Entende por que nunca se deu ao luxo de sonhar. Acha tudo isso aqui muito chato, no entanto, sabe que deveria sobreviver como os outros: agarrando-se a alguma verdade, abrigando-se no recanto aparentemente seguro do encanto. Mas sabe da constante iminência da mudança e receia que escape a ilusão como um solo a desintegrar-se sob seus pés.

Vê sua própria imagem, mas é uma estranha a olhá-la. Pode ver o desgosto no olhar e o desapego em todo o restante. Aquela refletida é só um corpo desvinculado da alma a encará-la. Pensa que para vir a esse mundo deve-se fazer grandes coisas para os outros. Acha que não fez nada até o momento, acha que perdeu o instante. Tenta seguir o conselho cantado de abandonar o que é pronto e dizer adeus. Isso, pra ela, é difícil. Não exibe a habilidade que seu criador lhe reservou, porque não rende, não lhe garante o pão com facilidade.

Reflete e sente que poderia sim estar fazendo grandes coisas para as pessoas. Poderia suavizar o dia a dia dessa gente com uma voz aveludada. Poderia disseminar mensagens bonitas de se dizer, de se fazer. Poderia, no clímax de seus feitos, fazer desaguar, das nascentes dos olhares alheios, lágrimas bentas de felicidade.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Risco alheio - Móveis Coloniais


Pra Manter Ou Mudar


Tudo que eu queria dizer
Alguém disse antes de mim
Tudo que eu queria enxergar
Já foi visto por alguém

Nada do que eu sei me diz quem eu sou
Nada do que eu sou de fato sou eu?

Tudo que eu queria fazer
Alguém fez antes de mim
Tudo que eu queria inventar
Foi criado por alguém

Nada do que eu sou me diz o que eu sei
Nada do que eu sei de fato é meu?

Algo explodiu no infinito
Fez de migalhas
Um céu pontilhado em negrito
Um ponto meu mundo girou
Pra criar num minuto
Todas as coisas que são
Pra manter ou mudar

Sempre que eu tento acabar
Já desisto antes do fim
Sempre que eu tento entender
Nada explica muito bem

Sempre a explicação me diz o que eu sei:
"Sempre que eu sei, alguém me ensinou"

Algo explodiu no infinito
Fez de migalhas
Um céu pontilhado em negrito
Um ponto meu mundo girou
Pra criar num minuto
Todas as coisas que são
Pra manter ou mudar

Agora reinvento
E refaço a roda, fogo, vento
E retomo o dia, sono, beijo
E repenso o que já li
Redescubro um livro, som, silêncio
Foguete, beija-flor no céu,
Carrossel, da boca um dente
Estrela cadente

Tudo que irá existir
Tem uma porção de mim
Tudo que parece ser eu
É um bocado de alguém

Tudo que eu sei me diz do que sou
Tudo que eu sou também será seu

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Desligou-se

Reservou 1 semana pra não se cobrar tanto. Não escreveu o que deveria escrever, não leu o que deveria ler. Só resolveu escrever o que viesse à cabeça, assim não iria precisar recorrer a citações, coisas que os outros já disseram para embasar o que diabos estivesse ela pensando em balbuciar de forma escrita.

Certeza foi o remorso vir abordá-la, mas deixou-o lá incomodando e não fez nada por ele. Empurrou-o conscientemente para a região periférica da massinha pensante, assim como se esconde sujeira de baixo do tapete.

Aproveitou a breve folga que deu a si mesma e, depois de ativar seu reflexo automático nos afazeres do dia, jogou-se na rede, no sofá e aceitou passiva e paciente cada mensagem já pensada, elaborada, embalada e endereçada a mais um crânio recheado de vazio, completamente anestesiado, bem dizer, morto.

No fim de tudo, diagnosticou que seu grande mal era o sono, daqueles de derrubar as pálpebras tendo o mundo inteiro sobre elas. Era sono, era essa necessidade fisiológica mesmo. "É só o sono, não preguiça, ainda bem", pensou.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Aquele texto nostálgico

Chegou meio deprimida, disse o boa noite de costume pra mãe, sentou por alguns minutos na cama arrumada e deixou que a música dos fones a absorvesse. Achou incoveniente a velocidade do pensamento, a mil por hora sem placa, e a direção? Começou pensando em sua própria sorte e depois se estendeu imaginando como andava seu irmão e a amiga.

Jantou com fúria na ingestão e como sempre encontrou algum prazer naquilo, como se tivesse valido a pena mais aquele dia de batalha mesmo sem ela como guerreira. Buscou compensações pra tanta lamentação e encontrou uma long neck perdida na geladeira. Achou que agradaria a gelada companhia fora de contexto, na semana, sem festa, sem amigos.

Foi ao quarto abandonado e concentrou pela primeira vez a atenção no violão empoeirado do irmão, ao lado, a guitarra e a caixa de som muda. Lembrou que havia um microfone e teve certeza que onde quer que ele estaria, também deveria agora ser domínio dos ácaros. Enfim, adormecia, ali, o cenário do abandono do que verdadeiramente gostavam eles de fazer: fazer parte da música.

O irmão brincava com as cordas, quase fazendo todo mundo crer que as notas falavam. E ela; ela cantava sozinha, fazendo a mãe opinar dizendo que a filha só gostava de música triste.

E então a cerveja acabou e ela resolveu acabar logo com aquele texto nostálgico e também mais sem sentido de todos que já tinha tentado deixar bem escrito.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Risco Alheio: Saramago

" Na cama ao lado, a que se encostava à parede, o rapazinho dormia também, Fez como eu, pensou a mulher do médico, deu-lhe o lugar mais protegido, bem fraca muralhas seríamos, só uma pedra no meio do caminho, sem outra esperança que a de tropeçar nela o inimigo, inimigo, que inimigo, aqui ninguém nos virá atacar, podíamos ter roubado e assassinado lá fora que não nos viriam prender, nunca aquele que roubou o carro esteve tão seguro da sua liberdade, tão longe estamos do mundo que não tarda que comecemos a não saber quem somos, nem nos lembrámos sequer de dizer-nos como nos chamamos, e para quê, para que iriam servir-nos os nomes, nenhum cão reconhece outro cão, ou se lhe dá a conhecer, pelos nomes que lhes foram postos, é pelo cheiro que identifica e se dá a identificar, nós aqui somos como uma outra raça de cães, conhecemo-nos pelo ladrar, pelo falar, o resto, feições, cor dos olhos, da pele, do cabelo, não conta, é como se não existisse..."

Págs.63-64 [Ensaio Sobre a Cegueira - José Saramago]

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Pai e Mãe e Filho

Olha pra mãe e acha engraçado. Como ela ainda acredita em sorte? Compra toda semana o jogo de cinco prêmios acreditando fielmente que um dia todo o dinheiro investido encontrará o caminho da volta, voltando da mesma nota, só que mais rechonchudo e acrescido de não sei quantos zeros.

Olha pro pai e acha injusto. Como pode ele cair de sono recostado na cadeira desconfortável, depois de domingo a domingo batalhando pra honrar com os impostos? "É, boa noite pra quem fica, amanhã começa tudo de novo!"

O filho sente que hoje os papeis se inverteram,precisa cuidar dos seus pais,mimá-los na medida certa, e , principalmente, ensiná-los a conviver com os novos valores pra não se chocarem tanto: " O mundo está perdido, aonde vamos parar?"

O filho chega à conclusão de que pais são seres bastante carentes e aconselha que se tenha muito cuidado com qualquer palavra dita, especialmente a não dita. Ou terá que ouvir: "Seus ingratos, a gente faz tudo por eles..." O fato é que o filho não tem dúvida, todos os pais são iguais e só mudam de contexto.

Pai e mãe são coisas valiosas no banco sentimental, são extensões dos filhos.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Círculo imperfeito

Tenho a intuição de que todo mundo se sente sozinho, assim como eu, talvez isso explique o incessante desejo de compensar o que falta somando coisas pequenas sem essência.

Sós é como se assistíssemos de camarote algo invisível levar embora aquelas pessoas únicas, de almas bonitas. Sem querer não mais as vemos, ficamos sem notícias.Apenas imaginamos por onde andam, se mudaram seus jeitos, vícios e defeitos, se realmente desapareceram da Terra abduzidos.

Sós, porque é mais confortável ficar inerte, ver o tempo fugir de nosso controle.É mais fácil manter o olhar fixo e deixar que nada ao seu redor interfira na sua órbita caótica particular.

Seria incrível vencer o cansaço pra reviver emoções, fazer ressurgir os encontros, e até os desencontros. Parece que às vezes os sentimentos falecem, nos vemos num deserto ouvindo o som de uma gaita protagonizar o que é triste na melodia.

Seria bom poder desgrudar do centro do círculo desenhado em torno de nós. Um círculo rabiscado com um giz especial, que não apaga com o vento e nem com as tentativas alheias. Essa esfera fica marcando nosso terreno, no qual os velhos amigos não podem mais pisar, são repelidos. Não há nem uma réstia daquele magnetismo de tempos atrás. Esquecemos, a memória vai apagando aquilo que um dia vivemos com tanta intensidade. Os rostos deles vão perdendo os formatos, vão perdendo os detalhes. Sobram apenas lembranças soltas, que misturam-se com outras, ficando confusas.

Quero tentar sair daqui, mas preciso de mais força. Aquela força que desvaneceu quando perdi a fonte da minha luz: as pessoas queridas que ficaram pra trás. Estou apagando sem elas. Vi que, como diz a música, "eu sou o que vocês são". Então sinto que é hora de nos movermos e destruirmos esse círculo imperfeito a nossa volta.

terça-feira, 29 de junho de 2010

Risco alheio - Raul Seixas

Ouro de tolo

Eu devia estar contente
Porque eu tenho um emprego
Sou um dito cidadão respeitável
E ganho quatro mil cruzeiros por mês

Eu devia agradecer ao Senhor
Por ter tido sucesso na vida como artista
Eu devia estar feliz
Porque consegui comprar um Corcel 73

Eu devia estar alegre e satisfeito
Por morar em Ipanema
Depois de ter passado fome por dois anos
Aqui na Cidade Maravilhosa

Ah! Eu devia estar sorrindo e orgulhoso
Por ter finalmente vencido na vida
Mas eu acho isso uma grande piada
E um tanto quanto perigosa

Eu devia estar contente
Por ter conseguido tudo o que eu quis
Mas confesso abestalhado
Que eu estou decepcionado

Porque foi tão fácil conseguir
E agora eu me pergunto: E daí?
Eu tenho uma porção de coisas grandes
Pra conquistar, e eu não posso ficar aí parado

Eu devia estar feliz pelo Senhor
Ter me concedido o domingo
Pra ir com a família ao Jardim Zoológico
Dar pipoca aos macacos

Ah! Mas que sujeito chato sou eu
Que não acha nada engraçado
Macaco praia, carro, jornal, tobogã
Eu acho tudo isso um saco

É você olhar no espelho
Se sentir um grandessíssimo idiota
Saber que é humano, ridículo, limitado
Que só usa dez por cento de sua
Cabeça animal
E você ainda acredita que é um doutor, padre ou policial
Que está contribuindo com sua parte
Para nosso belo quadro social

Eu que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada cheia de dentes
Esperando a morte chegar

Porque longe das cercas embandeiradas que separam quintais
No cume calmo do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora de um disco voador

Eu que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada cheia de dentes
Esperando a morte chegar

Porque longe das cercas embandeiradas que separam quintais
No cume calmo do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora de um disco voador

sábado, 19 de junho de 2010

Para tudo, o país entrou em campo!

Não mais que de repente, surge um patriotismo tolo.
Ninguém quer saber mais de nada. O comércio fecha. As pessoas não trabalham.
O mundo para.

A ansiedade fica estampada nas caras concentradas.
Os olhos dessa gente muda de cor, fica assim, metade verde, metade amarelo.
Unhas verdes e amarelas, ruas verdes e amarelas, Sol verde e amarelo.

Aposto que até o hino completo toda essa torcida é capaz de cantar. É a pátria, nosso Brasil entrou em campo, e nada mais importa, nem a política, nem a guerra, e muito menos uma galerinha cheia de fome.

É isso aí. Pra frente, Brasil!

sábado, 12 de junho de 2010

Dinâmica dos apaixonados


Pode faltar coragem pro dia-a-dia, mas ostentam um sorrisinho de leve no rosto.
Pode faltar vontade de vencer, mas se determinam, seguem adiante.
Pode alguns feitos parecerem impossíveis, deixam se tornarem concretos diante de seus olhos reluzentes.
Pode o mundo, as pessoas ficarem em desequilíbrio, mas vencem a inércia, seguram juntos as pontas.
Pra eles cairem é difícil, sempre tem aquela força divina os guiando, e aquela outra força que ninguém, até hoje, soube definir.
Esta força oculta, que só se sente,está nelas, está neles.
Assim, eles se complementam. E, por isso, parecem até perfeitos.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Colecionadores

De vez em quando me arrisco a ser breve, a entrar nessa mania contemporânea fast.Mas é torturante resumir em pouquíssimos caracteres o que vem à cabeça. É melancólico compactar a vida dentro de pequenos flashes, ver inúmeros fatos imprescindíveis se dissipando da memória.

E que censura, essa que impomos a nós mesmos.Isso de caminhar rápido, comer rápido, se expressar rápido(se calando novamente). Tudo simultâneo, enquanto problemas absurdos de grandes vão rolando em bola de neve - já invisível de tanto derreter -.

É difícil aceitar que natureza morta possa despertar tanto fascínio nestes olhos curiosos de quem a agride. Somos dotados de incrível agilidade. Somos colecionadores de catástrofes.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Pânico da folha em branco

Não ter com o que preencher isso aqui é um tanto temeroso. Medo de que me falte conteúdo por tempo muito demorado.
Esses meus dedos que não mais se sentem instigados pela mente a tocarem a superfície de cada letra.

Ausente batuque nervoso nessas teclas. Silenciosos e abafados pensamentos.
Creio até que devo recorrer à divindade abstrata, que por vezes se faz tão concreta.
E tanta falta eu sinto do toque de reflexão a me deixar por demais inquieta.

Vou ali, ver se vivo cada vez mais.
Volto quando tiver algo que vale compartilhar, digitando aqui.

sábado, 24 de abril de 2010

Mais perto


Eu devo estar mais perto.

Apesar das pernas curtas, preciso me distanciar o mais depressa possível da frieza do longe. Vou percorrer esse chão gelado através de grandes passadas e chegar mais perto das pessoas queridas.

Eu devo estar mais perto pra apertar alguns laços que o tempo e a distância muitas vezes podem deixar frouxos,quase a desatar. Eu realmente sinto essa necessidade de agir.

Vou ligar esses elos fragilizados e sei que na outra ponta, como numa brincadeira de cabo-de-guerra que acaba em paz, vão estar aquelas preciosas pessoas cheias de força pra compartilhar.

sábado, 3 de abril de 2010

Tantinho de história pra contar


Meu maior receio é não ter um tantinho de história pra contar. É por conta disso que tenho deixado as portas sempre abertas pra ir e voltar assim que me der vontade. Tenho deixado papel e caneta fáceis de encontrar.

Vou juntando os pedacinhos de contos que decidi fazer parte, primeiramente como um tímido personagem, posteriormente como peça-chave. Vou unindo as partes pra quem sabe, no final, resultar em algo de caráter surpreendente. Vou assimilando no decorrer dos capítulos que é do resto que se tira o maior proveito.

Estou aqui como uma criança, daquelas desengonçadas que, de tanta espontaneidade, fazem rir; daquelas de olhos redondos fixados no que parecer novo.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Tristeza faz um bem.


É bom ter uma certa admiração pela melancolia. Ela consegue ser tão sedutora, tão fascinante para quem sente. Como se estivéssemos dentro de um filme, fazendo gênero drama. Somos a vítima, o centro de tudo.

E quando aquela tristinha vem, vem forte, avassaladora. Esse fardo se infiltra primeiramente por meio dos olhos. Deixa o olhar vazio, fixo em algo do mundo paralelo. A sensação é quase a ideia de uma alma inteira dentro de um corpo complexo se encaminhar para o pequeno espaço atrás do vidro da janela ocular.

Exatamente, é como se sua essência estivesse querendo escapar. A cada pulsação lenta por conta da bombinha de sangue debilitada, da aura melancólica, o forte impulso por um triz capaz de libertar sua alma de vez.

Parece ser algo fantástico. Por mais contraditório que seja, quem sente isso tudo está na verdade resgatando a vaidade de pensar em si mesmo, por uns instantes em relação ao universo.

É triste, mas faz bem.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Dois lados: folia x melancolia

Folia de si. Tem sido sempre assim: ansiedade pelos 4 dias pra pensar em si, ou, como a maioria, esquecer de si, fantasiando-se de personagens que outrora tiveram desejo de ser.

Como um ópio, todos buscam num feriadão avivar a alegria esquecida. A viagem tá marcada. Vão às compras. O homem transporta o carrinho de supermercado e neste só tem garrafas de cerveja empilhadas como se para construir o império da espontaneidade. Já viu gente alta não dizer verdade? Então, chega a hora de abastecer o carro. A bebedeira já se inicia no posto, alguém reza para que o motorista da vez não caia em tentação.

Desta vez, não trago essa tentativa de diversão para esses dias de folga. Mas claro, tenho formas particulares de acordar o bom humor, a descontração, afinal é carnaval. Mas como há sempre os dois lados,lembro de coisas não muito felizes e que nada têm a ver com esse clima carnavalesco. Algo que se encaixou milimetricamente na memória, algo que se tem certeza: vai permanecer ali, até você achar que é o fim.

Algo que jurei ter sido parte de um pesadelo. Na época, estava voltando a pé da escola. Era o mesmo caminho de todos os dias, mas aquele dia resolveu não ser igual a todos os outros. Eu passei em frente a uma casinha simples, prestes a ser reformada. Por isso, uma carroça cheia de material de construção estava estacionada lá.

De longe, eu podia ver um cavalo amarrado junto a carroça. Ele estava parado no meio do asfalto e aparentava cansaço por conta da carga pesada. Não vi só ele, vi também uma criança igual a mim, só que menino e não menina. Eu não tinha idade adequada pra perceber que tinha algo de errado.

O cavalo aguardava impaciente o menininho levar todos os tijolos para dentro da casa. Era visível a qualquer um que o animal estava um tanto arredio àquela prestação de serviço. A medida que o menino transportava a carga, o carrinho ficava mais leve. Não sei explicar com detalhes o que aconteceu em seguida até hoje, foi tudo muito rápido. Mas sei que um desequilíbrio causado pelo movimeto brusco do cavalo fez com que uma ferramenta sobre a carroça deslizasse, atingindo e atravessando parcialmente a cabeça da criança. Não me recordo agora qual era o tipo de ferramenta, mas sei que era pontuda.

Observei a reação do menino com olhar obscurecido de terror. Franzi as sombrancelhas e imaginei ser aquilo pesadelo muito pior do que olhos felinos reluzindo no escuro. Naquele momento, meus passos se tornaram mais apressados. Eu caminhava nervosa e encontrava-me perto o suficiente pra ver a agonia dos gestos do menino. Este corria em desespero ao longo do corredor na lateral da casa.

Não entendo por que não fiz nada pra ajudar, devia ser mais novinha do que imagino. Lembro que além dos gritos, ouvi os vizinhos chamando o nome do responsável pelo depósito de construção. As vozes adultas ameaçavam denunciar o ocorrido e pediam que levassem o menino ao hospital mais próximo.

É estranho lembrar disso agora. Faz tanto tempo; mais parece nunca ter acontecido ou que faz parte de um antigo pesadelo. E no entanto,tudo que descrevi foi absolutamente real.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Estrondo no crânio

A cada dia me convenço de que os loucos são os seres mais normais desse mundo.
Ontem, fui testemunha e vítima de uma insanidade que todos deveriam fazer e deixar um terceiro fazer, por você, em você, ao menos uma vez na vida.

Estava eu a caminhar de mãos dadas com o meu digníssimo par num passeio de sexta-feira à noite pela avenida nobre da cidade. Estávamos um pouco anestesiados, - leve efeito de quem não está muito acostumado a beber, logo, duas latinhas de cerva já fazem total diferença durante a viagem do sangue em sua rotineira corrente sanguínea -, quando senti parcialmente um estrondo alastrar-se sobre meu crânio.

Atônitos, meus neurônios buscaram entender o que diabos afinal estava acontecendo; não durou muito, de maneira tal que nem as sinapses, com todas suas qualidades ágeis e instantâneas, puderam encontrar uma explicação sensata para aquilo. Então, ouvi o namorado balbuciar algo em tom indeciso olhando para trás à minha esquerda. Resolveu calar-se e afagar minha cabeça - que, aliás, muitos já apelidaram de cabeção. Talvez uma das explicações do fato ocorrido ter ocorrido justamente comigo.

Quando meu cérebro pareceu desistir de entender o que houve, achou uma solução por instinto e mandou que minha cabeça e visão se virassem para trás. Pude finalmente ver o que havia me atingido me ultrapassar num vulto indistinto. Assim que me recuperei do baque, vi a indivídua, minha agressora.

Ela tinha o cabelo curto, amarrado com fios entrelaçados num habitual desalinho. Vestia um blusão surrado, todo sujo em cor de lama abaixo da cintura e um calção acima do joelho. Observei essas características enquanto a criatura corria desvairada. Segundo meu namorado, momentos antes ela deu sinais de que ia se jogar sobre os carros, mas na verdade queria mesmo era bater na minha cabeça num tradicional pedala robinho, só que com 4 vezes mais potência.

Depois de pensar um pouco, entendi o propósito dos atos daquela mulher. Ela pretendia me acordar, remexendo minhas ideias para que eu pudesse me mover, sair de mim por alguns instantes. E não foi meu cabeção o atrativo para que eu fosse o alvo da vez, foi por outra razão ainda desconhecida a mim.