domingo, 20 de dezembro de 2009

"- Olha a á-gua e o salgado!...Olha a á-gua ..."

Devo insistir em relatar fatos curiosos ocorridos nas circunstâncias em que estou como carga humana transportável.

Como moro absurdamente longe dos lugares mais requisitados, passo a maior parte do tempo dentro de um veículo e quase a mesma duração esperando por ele.

E é à espera dele, do querido e raro ônibus, - independente da linha a qual ele pertence, sempre terá essa qualidade única de jóia rara e o hábito de se fazer de difícil quando mais se precisa dele -, que costumo ouvir o fascinante aviso persuasivo, se me permitem a ironia:


"OLHA A ÁGUA... E O SALGADO,
OLHA A ÁGUA... E O SALGADO,
OLHA A Á-GUA E O SALGADO,
OLHA A Á-GUA E O SALGADO...
"

A vendedora ambulante de cabelos longos e negros parece não se cansar. Queria eu ter tamanha obstinação. Ela está sempre a passos lentos de um lado para outro, pronunciando o mesmo imperativo com vago jeito de slogan:

"OLHA A ÁGUA... E O SALGADO,
OLHA A ÁGUA... E O SALGADO,
OLHA A Á-GUA E O SALGADO..."

Eu e as pessoas da parada somos capazes de calcular corretamente o intervalo entre uma frase e outra: Olha a água e o salgado! - [3 segundos] - Olha a água e o salgado! - [3 segundos] -; e assim se segue.

Sempre que ouço o slogan, fico imaginando a tal combinação entre água e salgado e logo me dá aquela azia em pensamento. Sábia é a química ao afirmar que água e óleo não se misturam.

Certa vez, aproveitei uma oportunidade para esclarecer uma dúvida e, fingindo estar interessada no salgado, perguntei também:
-Pra beber, você só tem água mesmo, então?!

Sim. O anúncio repetidamente irritante para olharmos para a água, que é apenas água, e o salgado, que é apenas salgado - visto que nossa vendedora poupa adjetivos aos simplórios produtos- é baseado em informação verídica. Ela realmente só vende água e salgado. Até perguntei por que não vender refrigerante também, e olha que curioso: ninguém sente falta dele. Disse ela que já tentou investir no refri e não deu certo.

A maioria dos clientes se veem levados até a vendedora para comprar só uma simples garrafinha d'água mesmo. Vai ver o calor estonteante do local faz as pessoas negarem a existência do salgado e terem a certeza saudável de que H2O é insubstituível.

Os salgadinhos, tadinhos, ficam confinados em saquinhos plásticos, se sentindo uns velhos abandonados num asilo. Se estivessem bem acompanhados, duvido que seriam desprezados.

Acho que a mulher do olha a á-gua e o salgado deveria desistir deles ou então criar uma nova categoria de casadinhos não-doces: cerveja bem gelada + salgadinhos de recheios irresistivelmente bem temperados.

Então, vai uma água e um salgado aí?!

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