quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Olhar da janela urbana

Constantemente, meus olhos atentos registram imagens através da janela urbana. A miséria é tanta que não posso me manter imune.

É imensurável o número de gente que circula naquele semáforo da avenida, e posso deduzir que a maioria não se deixa seduzir pela imagem que fotografei dia desses; ela instantaneamente revelou-se em mim por meio de sentimentos.

O sujeito que ocupa essa imagem está sentado tão desajeitadamente, mais parecendo que alguém o jogou ali por desprezo. Se você passar por lá, verá - caso se permita enxergar - um velhinho no canteiro central, próximo à faixa de pedestre. Ao seu lado, sua companheira: uma cadeira de rodas tão fragilizada quanto seu proprietário; pressinto ser ela incapaz de sustentar a dor que sobrevive no vazio dos olhos do homem.

Os olhos, parte de mais destaque a ocupar o segundo plano de uma dentre as milhares de cenas soturnas da cidade ou do campo.

Na circunstância, permiti que eles ocupassem o primeiro plano. Concentrei-me em buscar o que aqueles olhos sombrios (embora de cor clara) estavam mirando e não encontrei. Pensei que eles poderiam ser cegos por vontade própria de seu dono, e até agora permanece a dúvida.

Analisando mais um ângulo da imagem, posso visualizar a mão esquerda da personificação da exclusão social. A mão permeada de sinais da velhice não está estendida pedindo trocado; parece estar conformada descansando muito quieta sobre o chão.

E minha mente sob efeitos de relâmpagos me mostrou diversas cenas que contrastavam com o momento. Eu podia ver imagens do luxo cômodo de poucos. Poucos encarcerados e invisíveis atrás dos vidros fumês de seus veículos.

Foi então que, olhando através da janela, deixei que a forte emoção cuidasse de desaguar a misericórdia, - que disputava com o coração o cantinho apertado do meu peito-. Foi o contato mais próximo que já tive com aquele e aquilo que considero Divino.

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