sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Comércio rosinha cruel.

O comércio quer me ver pelas costas, com toda a força da expressão. O comércio deve querer cravar uma linda faca reluzente covardemente nas minhas costas, sem que eu tenha qualquer chance de defesa. Se você acha esse comentário exagero de mente insana, peço que se situe na situação em que me encontro.

Dia desses estava eu numa sala de mulheres (qualquer sala em que só contém mulheres), e tirei a conclusão de que ser do sexo feminino seja a minha única semelhança com elas. E será que sou mesmo mulher? Mas que dúvida estúpida, sou mulher e tenho uma sensibilidade cor de rosa. Mas será que o fato de não me atrair muito por produtos rosinhas nega essas evidências biológicas?

Vou dar continuidade à descrição da situação que gerou todas essas crises existenciais.

Uma das mulheres entrou na sala exultando. Afinal, ela poderia enfim mostrar a novidade tirando-a da sacola. Eram sandálias, dessas rasteiras com um toque glamouroso de pedrinhas brilhantes. Deu um sorriso descomunal ao informar o valor super em conta e de imediato calçou um dos pares; acho que se pudesse, ela usaria os dois ao mesmo tempo.

E, falando em sandália, logo uma segunda mulher se manisfestou desabafando toda sua preocupação quanto à festa que a aguardava. Ela precisava de conselho se determinada sandália combinava com a roupa que pretendia ir. E, sinceramente, não sei que obsessão é essa de querer combinar tudo. Talvez isso exista desde o princípio do Universo. A Eva devia se perguntar se a pessoa dela realmente combinava com Adão. Caso ela julgasse que não, estaríamos perdidos, não teríamos a chance de existir hoje.

Certamente você deve imaginar que não só essas duas mulheres interrompiam o silêncio do recinto. Outra mulher criou um novo assunto. Tratava-se de seus relatos de experiências cirúrgicas anteriores e da próxima a se realizar. Por curiosidade consegui estabelecer contato, procurando entender por que as pessoas se submetem ao tira daqui coloca acolá das cirurgias plásticas. Obviamente que os motivos são infinitos, mas a razão maior não é novidade pra ninguém: ter a beleza inspirada das bonecas Barbies.

Continuei sustentando o contato apenas com interjeições comuns, como hum, ah, sério?. E cometi o terrível erro de fazer breves perguntas, o que só alongou ainda mais as falas da interlocutora, fazendo do diálogo algo chatissimamente maçante, embora tenha eu extraído parte interessante.

Quando o assunto pareceu calar, voltei ao que fazia antes: somente observar. Então, olho para o lado e vejo a consumidora feliz tirar fotos com todo cuidado para os enquadramentos das mais novas sandálias saírem perfeitos. Imaginei ela postando no twitpic para as outras mulheres ficarem por dentro da nova aquisição. Olha, não é linda? E aí daria-se a sequência de todo aquele blá blá blá novamente.

Você que se deu ao trabalho de ler até aqui deve estar pensando: Essa garota deve ter alguma anomalia! Vai dizer que você também nunca ficou alegre e satisfeita com uma compra?. Devo responder que sim, mas não, quando o produto é rosinha. Desse tipo compro raramente, e sempre em último caso, a tal ponto da sandália ou vestido quase implorarem pedindo que eu os deixe viver seus últimos dias no recanto do guarda-roupas mórbidas ou caridosamente sob o poder dos mais necessitados.

É por isso que tenho toda essa convicção de que o comércio de produtos rosados quer me apunhalar pelas costas. Ouço até uma voz rouca e voraz me chantageando:

-COMPRE ISSO AGORA MESMO OU VOCÊ SERÁ FEIOSA POR TODA A ETERNIDADE!

Ele não só ameaça, como também debocha de mim ao ofertar produtos com curtíssimos prazos de vida. Oh, céus, já sinto até a pontada da faca entrando na minha pele não melecada por milagrosos hidratantes.

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