quinta-feira, 27 de junho de 2013

Eu infiltrada no mundo delas.


  Tem uma coisa em mim; sei lá, pode ser uma forte inclinação como dizem. Não diria com absoluta certeza que é o tal do instinto materno, mas pode ser também apenas curiosidade. Isso, acho que tenho uma curiosidade monstruosa, de tão gigante que é, por miniaturas chamadas de crianças. Disso que já fomos um dia e, quem sabe, ainda somos um pouco.

  Essa minha curiosidade cresce em proporções inimagináveis quando se juntam crianças num grande grupo que brinca (briga, birra) no parquinho. Eu não me contenho e preciso ver de perto várias delas interagindo. Fico parecendo uma bobona sonhando em voltar no tempo. É como se eu me tornasse a criatura mais carente do grupo. Detalhe: infiltrada ali ilegalmente! Desejando, a todo custo, me inserir entre os pequenos, fico tentanto falar a língua deles como se fosse a condição, o ingresso que me dá acesso ao universo mágico deles. Até que eles me aceitem e eu me sinta realizada assim.    

   Num fim de semana desses, eu estava observando a linda (fofinha, "gotosa", espertinha) filha da minha amiga com as outras crianças do prédio. Por um momento fingi estar ao menos um pouco interessada na conversa da roda de mães que havia se formado nos banquinhos do parque. Foi mais forte do que eu. Fiquei mirando as crianças a todo instante. Foi então que percebi que os pequenos também haviam formado uma roda de discussão. Na verdade, uma roda de confusão, boba pra gente, seríssima na visãozinha deles. 

    A confusãozinha estava se passando na cozinha americana do salão de festas do prédio. Eu cheguei perto, tentei entender mais ou menos o que era o pequeno drama e me encostei no balcão pra ouví-las. 

  As crianças menores tentavam entrar no "território" das crianças um pouco mais crescidinhas que elas.  Pouco mesmo, uma diferença bem sutil, mas que pra elas já é uma grande diferença. O espírito competitivo impera ali. A lei do mais forte sobre o mais fraco está claramente representada. 

    Ouvi a menininha dos olhos verdes falando que ali era uma "loja de sopas" e que pertencia ao grupo de crianças maiores. Certo, a cozinha americana tinha se transformado numa loja de sopas. Achei estranho e perguntei:

- Loja de sopas? Não seria um restaurante de sopas?

   A pequena nem deu bola para o meu questionamento sem imaginação. Ignorou-o. Apenas  comunicou que faria uma sopa pra mim. Rapidamente perguntei: "sopa de quê?" Pensei: "Oh, céus, e se ela só tiver sopa de carne? Terei que tomar mesmo assim para não frustrá-la. Afinal, ela nem desconfia que sou vegetariana. Nunca me viu mais gorda (magra)" Mas, para meu alívio, respondeu que era sopa de verduras.     

   Em poucos segundos, muitas crianças se aglomeraram ao redor do freezer. Até os pequenos, que há pouco tinham sido expulsos dali. 

      Eles estavam colocando em cima do freezer os ingredientes da sopa:  

- pétalas de flores do jardim do prédio (importante misturar várias cores)
- cocos (pedras nem muito pequenas nem muito grandes)
- palhas ressecadas de coqueiros.     

   Todos estavam empenhados no preparo da tal sopa. Era o primeiro pedido do dia. A chefe de cozinha (a menina dos olhos verdes) orientava todos a quebrarem os cocos com um brinquedo amarelo "cheguei", que eles faziam de conta que era uma ferramenta culinária.   

   E logo a menina dos olhos verdes estava acrescentando dois cocos na minha sopa que eu já estava fazendo de conta que tomava. O pequenininho ao lado dela viu e, imitando-a, colocou mais cocos no meu prato. Aí a chefe chamou sua atenção dizendo que aqueles seriam para os próximos clientes. E eu acabei ficando apenas com dois na sopa. Estranhei os cocos quebrados ao meio na sopa e pedi um para beber. O pequeno ficou satisfeito. Ele agora teria a oportunidade de me servir. Serviu-me e virou alvo de pergunta chata de adulto:

- Xi, mas como vou beber do coco? Preciso de canudinho.

   Então o pequeno me entregou uma palha de coco que eu deveria usar como canudo. Compartilhei da imaginação dele, claro. Quem passasse por ali, poderia me ver segurando uma pedrinha com a mão esquerda e, com a mão direita, uma palha velha de coqueiro que quase finquei na pedra, como numa combinação perfeita de coco com canudo.

  E desde então, não deixo de observar os pequenos como quem observa seres de um mundo paralelo a este. Um mundo mais feliz e de imaginação sem limites.

2 comentários:

nofundodagaveta disse...

E quem há de dizer que o nosso mundo é mais interessante que o deles?

Elaine Pacheco disse...

Quem? Quem? Ninguém!