domingo, 30 de junho de 2013

Calada, passando vergonha.

   E tive toda razão de ficar assim. Vou explicar.

   Fazia tempo, a filhinha da vizinha não me via. Eu também não a via. Até me impressionei ao notar o quanto ela está crescidinha. Fazia tempo, ninguém me via na calçada da casa dos meus pais. "Dos meus pais" porque eu mal piso lá, lá não, aqui; estou aqui agora, milagre!

   Fazia tempo mesmo, quando, quarta-feira passada à tarde, ganhei folga do trabalho. Era o jogo da seleção brasileira. Todos tinham ido, para suas casas ou para as casas dos outros, torcer. Já eu estava indo torcer pelo extermínio do meu eterno sono acumulado. E escolhi a casa dos meus pais para isso.

    Mas antes de eu me render para a cama, resolvi pegar um ventinho na calçada com o passarinho daqui de casa no dedo. Observação: sou contra a domesticação de pássaros. Acontece que minha mãe o comprou quando eu ainda era criança, quando eu achava isso normal. E, mesmo se eu achasse anormal e falasse algo contestando-a, ela não me daria ouvidos. Afinal, eu era só uma criança.

   Mas, sim. Depois de um tempão sem aparecer na tal calçada, surgi da abertura do portão de alumínio. Fiquei encostada na parede, admirando o passarinho, conversando com ele e também observando a filha da vizinha brincar com um amiguinho bem menor que ela. 

   Ela estava pedindo para o pobrezinho carregá-la. Ela em cima de um skate, ele agarrado a uma cordinha amarrada no brinquedo. Ela gordinha, ele magrinho. Ela ria tanto, ele fazia tanta força. Ela gritava tanto, ele se concentrava tanto. Havia uma pequena rampa na calçada da vizinha da frente e, pobrezinho, por mais que se esforçasse, não conseguia fazer o skate chegar até ali com a menina sentada sobre as rodinhas. Fiquei olhando com aflição aquela "arrumação" deles. Deu até vontade de ajudar.

   Ficaram nessa história de superação do menininho até que finalmente cansaram. A menina se levantou triunfante do skate e caminhou no asfalto, em frente à calçada onde eu estava. Mesmo achando-a enorme e irreconhecível, eu a reconheci. Quis chamá-la pelo nome, mas me deu um branco e disse apenas:

- Oi, tudo bom?

     Ela respondeu " Tudo!" e se aproximou de mim, meio incrédula. Como toda criança, soube ser direta me perguntando:

- Dormiu aí hoje?

   Ouvi isso e não consegui responder. Fiquei calada, passando a maior vergonha da minha vida. A minha sorte foi ser salva pelo gongo: criança faz uma pergunta atrás da outra. Ela não seria diferente e, ao olhar para o pássaro no meu dedo, fez outra pergunta logo em seguida:

- Ele voa?

   Então, foi isso. Passei vergonha diante da pequena que cresceu, mas que ainda é criança. Fiquei vermelha e não havia buraco na calçada onde eu pudesse me enfiar. Simplesmente por causa de uma criança me questionando, com a maior naturalidade, se eu ainda dormia na casa dos meus pais. Com certeza, por conta do meu sumiço, ela desconfia de que passo dias dormindo fora de casa. Pior: dormindo na casa do namorado. Que vergonha. Que vergonha dela! Vergonha de mim, aliás.

2 comentários:

Margareth (Margô) disse...

Passou um aperto em Elaine.rss

Mas sabe que criança pergunta mesmo e ela nem quer saber a resposta... é um meio de se aproximar.

Elaine Pacheco disse...

É, Margô..Fui colocada contra a parede. Fiquei parecendo uma meninavéia, sem saber mentir quando a mãe faz uma pergunta que pode comprometê-la.