domingo, 29 de abril de 2012

Colírio não!

Consultei um médico novo. Há tempos eu não retornava para saber como anda meu astigmatismo. Há tempos uso óculos. Lembro de mim minúscula como um ponto indo ao bebedouro da escola. Duas crianças mais velhas conversando, uma olhou pra mim e comentou: "Ela, tão pivetinha e já usa óculos!" Mas eu não me importei, porque nunca tive vergonha de usá-los e jamais passou pela minha cabeça usar lentes. Se eu sequer imaginar um objeto estranho entrando em olhos, tenho arrepios de agonia. Talvez por isso eu sempre dou muito trabalho as pobrezinhas das assistentes de oftalmologista. Vejo-as vindo em minha direção com colírio numa mão e um lenço de papel na outra. Essa é uma cena de tortura. Sentada na cadeira, transfiro toda minha tensão para as pernas e braços. Tenho pavor, pavor. Ela vai pedir que eu jogue minha cabeça para trás, vai derramar gotas de pimenta que ardem e deixam cegos os olhos. Com as pupilas totalmente dilatadas, oh meu pai, terei que lidar com a incapacidade de enxergar, de ler um bilhete que seja por uma duração dura demais. Dura e dolorosa como um chute numa pedra. Dói não ver as coisas direito. Também o que os olhos não veem o coração sente. Há tanta distorção nesse mundo afora, sem uma visão em perfeito estado fica difícil desviar das coisas e pessoas claramente distorcidas, que podem chegar a distorcer também o nosso caminho.

Então, não suporto colírios, até aqueles anti-sépticos. Tenho olhos sensíveis além do que se considera normal, certeza. Vivo com os olhos aguados; e se percebo o menor sinal de alagamento no olho alheio, os meus rapidamente se transformam em riachos daquele rio revelado pelo outro.

Bem, a consulta; eu sobrevivi. Sai com uma receita dentro da bolsa. Além de uma pequena alteração de grau do olho direito, a ovelha negra, porque o outro leva pouco grau, sai com uma indicação de colírio. Por que eu fui dizer que trabalhava o dia inteiro no computador? Sou sempre obediente com os tratamentos que me passam, mas desta vez não há como seguir direitinho. Pavor, terror de gotas estranhas serenando nos meus olhos. Natural é que elas brotem deles, em seguida, transbordando em forma de empatia, alegria ou tristeza.

2 comentários:

Mauro Castro disse...

Lágrimas de na contramão...
Há braços!!

Elaine Pacheco disse...

Oi, Mauro Castro! Gostei das " lágrimas na contramão". Obrigada pela visita! E parabéns pelo "Taxitramas"! =)