Um dia minha mãe chegou pra mim e disse:
- Filha, você é uma Estrela. O Vigia da Rua tava demonstrando as habilidades dele com as cartas e disse pra mim: " Sua filha é uma Estrela".
Eu nunca me esqueci disso, não da habilidade maluca do tal vigia de rua que eu mal via na rua, mas da cara de orgulho da minha mãe. Imaginei logo que a declaração do cara só podia ser pura generosidade. O vigia, entediado com cochilos profundos e baratas e ratos perambulando pelas ruas, na certa, queria finalmente flagrar algo de surpreendente: uma mãe-coruja muito contente.
Vigia Cartomante (...) “Ainda mais essa!”, pensei. Não acredito nesse tipo de coisa. Pra mim, cartas só deveriam ser usadas para truques mágicos ou jogos divertidos com amigos; e não pra enganar os outros. Ainda bem que o Vigia não cobrou minha mãe pela revelação. Fiquei me perguntando quais indícios e palavras minha mãe deve ter proferido pra ele vir com uma frase poética dessas: " Sua filha é uma estrela."
Não entendi, na época e até hoje, a tal revelação tão impactante, principalmente ao me lembrar de vários momentos da vida nos quais me sinto muito mais uma reles poeira cósmica do que uma Estrela propriamente dita. Muitas vezes nem eu mesma me enxergo no reflexo insignificante de grão de poeira só visto com o uso do microscópio. Sou aquela coisinha se escondendo nas lacunas do espaço interestrelar.
Tá, não é tão triste assim; tem dias que a autoestima vem em forma de luz, é a luz prateada da Estrela que atinge a minha poeira em cheio. Aí, chove a Chuva de Prata ao redor da minha aura. Porém, enquanto a luz não se inclina na minha direção, não incide na minha escuridão, eu busco refúgio no que chamo de Muro da Lamentação, ou melhor, Muro das Lamentações. No plural mesmo, porque são múltiplas penas, queixas e infortúnios.
Esse muro é o seguinte: você constrói ele desde que se entende por gente. Desde aquele " Buá, meu brinquedo quebrou!", que hoje, na sociedade consumista, virou " Buáaáá, eu quero isso e aquilo ...e aquilo! Por que não? Eu que-roô!"
No Muro daqui funciona assim: compartilho-o sempre com os poucos, os poucos amigos. A gente abre um pequeno buraco em um dos tijolos pra poder conversar cara a cara, cada qual encostado no seu lado. A conversa, neste sentido, significa troca de lamentos. Você faz o seu amigo ouvir seu chororô pelo leite derramado e, depois que passa um pouco o soluçar, - naquela sensação boa de não ouvir sua mãe ordenando "engole o choro!"-, diz pro outro no outro lado do Muro:
- Poxa, mas eu só falei de mim até agora, né! E você?
Outro dia cheguei até minha mais nova amiga, muito especial aliás, e desabafei meu descontentamento, assim, por alto mesmo:
- É, hoje foi um dia que me senti uma ervilha, de tão minúscula diante de uma situação.
Ela, fofa como é, comentou com um “Oww” e logo se fez toda ouvidos:
- O que houve?
E assim despedaçamos o primeiro tijolo, abrimos um círculo no meio dele. Começamos a compartilhar nossos Muros das Lamentações, transformando-os em um só, cada uma do seu lado, olhando para o lado da outra através do pedaço quebrado, como quem se posiciona pra encaixar o olho no olho mágico de uma porta, como pra saber quem aperta a campainha, pra depois convidar para entrar.
4 comentários:
oooown gente! que coisa mais linda! engraçado isso de ceder um pouquinho, né? eu sou igual a você, super desconfiada. acho que por isso nos entendemos tão bem, nos demos tão bem. uma entendendo a desconfiança da outra antes mesmo de saber do que desconfiava! que venham mais momentos assim! e que venha o nosso blog! =)
Êeeê, o blog, num primeiro momento, pra depois o Livro! iupi \o
Nosso muro das lamentações será eterno!
Sim, sim, Geer! E estaremos sempre no mesmo lado do Muro, construindo a escadinha degrau por degrau, lembra? =*
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