quinta-feira, 30 de abril de 2015

Tem algo de muito errado nos conformados.

Parece-me que os conformados não têm consciência de suas condições existenciais. Se já chegaram a um determinado patamar, se dizem em situação estável, que já sabem o que querem da vida. A questão é "Até quando aquilo vai satisfazê-los?"

Vamos trabalhar na profissão que escolhemos aos 19 até o resto de nossas vidas? Vamos sobreviver com aquele mesmo salário por anos e anos? Temos total convicção no "até que a morte nos separe"? Nossa ideia-padrão de felicidade nunca vai mudar?

A essência de nós sofre mutação a cada instante, como crianças grandes com o caráter em formação. Todo dia é dia de conhecer um lado diferente da gente, por isso muito se fala em autoconhecimento, dicas e formas de buscá-lo.

É assustador reconhecer, mas vamos ser francos: nem você se conhece direito. Saber de suas comidas, suas roupas, suas flores, suas coisas favoritas é fácil, agora vai entender sua mente, da qual muitas vezes você já se viu perdendo o controle.

Daí você procura um psicanalista e vai de encontro a mais dúvidas a respeito de si. O especialista te faz perguntas e acaba que Freud não explica nem você se explica. Mas a quem mesmo você deve explicações?



Cada vez mais me convenço que o fantástico disso tudo é sermos um mistério para nós mesmos. Por isso não me conformo com os conformados. Pra mim, não está bom do jeito que está. Bato o pé, reclamo, sinto dores de cabeça como efeito colateral de quem busca soluções a cada dificuldade. Amanhã vou ser diferente, amanhã coisas novas ou reinventadas vão me fazer bem. Amanhã ou logo hoje, quem sabe.

Os conformados que me perdoem, mas cito agora uma frase que escutei na rádio dia desses: "A vida é sua, estrague-a como quiser" (Antônio Abujamra).

sábado, 25 de abril de 2015

Sou paga pra isto.

Meu trabalho é corrigir textos de material didático do ensino médio. Sou paga pra passar o dia todo lendo.Para alguns, sacrifício, para mim, exercício prazeroso de reconstrução de saberes. Claro, tem o lado tedioso da coisa. Ler por horas e horas é cansativo, tornando-se uma dura batalha contra desconcentração, barulhos inevitáveis no ambiente de trabalho, cansaço mental, problemas pessoais, entre outras coisas.

Naturalmente, surgem dúvidas que eu só posso tirar com quem escreveu. Meu trabalho é dizer para os professores-pesquisadores-autores(mestres, doutores, pós-doutorandos) que determinada frase não ficou clara, por exemplo. É comum  eles seguirem o instinto de ensinar e fazerem desse momento uma verdadeira aula para uma leiga no assunto. Explanam, explicam, rabiscam no papel e, no final, intrigados, dizem: "- Pronto! Como colocamos isso no papel?"

Numa dessas situações, entreguei uma folha em branco para o professor que, vale lembrar, não é escritor e não tem vocação para a escrita. Acredite, isso é comum entre os professores, o que não é absurdo ao meu ver. Assim como ler, escrever não é uma habilidade que nasce com a gente, precisamos desenvolvê-la um pouco a cada dia.

Com a folha em branco em mãos, o professor gostou do método, tinha conseguido organizar a fala traduzindo-a para a escrita. Mas até chegar a esse ponto, a ansiedade de se fazer entender sem o recurso oral paira no silêncio inquietante da sala. É você frente a frente com a língua portuguesa, tendo que encará-la como um problema matemático incomum, nada exato.

É preciso raciocínio, paciência, suor mental, é virar costureiro frasal.

quarta-feira, 15 de abril de 2015

O ansioso e um bom livro.



Pegar um bom livro, sentar e lê-lo de verdade não é para ansiosos, melhor, é para ansiosos em tratamento. Ler é terapia, é exercício árduo e diário, ou pelo menos deveria ser.

O ansioso não consegue ler sem se perder em pensamentos que nada têm a ver com a trama que se desenrola na obra em mãos,

o ansioso não consegue ler um capítulo que seja sem olhar quantas folhas faltam para acabá-lo, parece até que o obrigaram a ler.

o ansioso sai de um parágrafo para o outro sem a mínima lembrança do que leu há poucos segundos atrás,

o ansioso tem olhos com a síndrome contemporânea da pressa, olhos que engolem letras, por isso o ansioso é capaz de jurar que determinada palavra que leu é outra, de outro significado,

o ansioso faz leitura de relance, engana-se fácil assim. Seus olhos o traem.

O ansioso não quer saber de suspense, quer saber antes do tempo certo o que vai acontecer mais adiante na trama,

 o ansioso, enquanto lê, pensa no tempo que está se ausentando das redes sociais - da sua vida publicável.

O ansioso leitor prefere ler sites, que aí ele se dá a liberdade de ficar pulando de aba em aba, sem se concentrar em nenhuma delas,

o ansioso, sem que perceba, vai aposentando seus livros na estante, muitas vezes ainda envoltos em plásticos,

o ansioso dificilmente consegue terminar de ler o livro,

o ansioso passa um longo intervalo de tempo sem tocar no tal livro e esquece quem é quem na história, não se lembra dos nomes dos personagens, não se envolve com eles.

O ansioso lê com a cabeça em outro lugar, no que tem que fazer amanhã, no que deixou de fazer hoje, pensa em qualquer coisa, menos na escrita a sua frente,

o ansioso não se alimenta da história contada, não devora as experiências alheias, ao invés disso, abocanha as unhas, os dedos inteiros, e assim nutre os seus receios.

Resumindo, o ansioso, além de sofrer de ansiedade, sofre do mal de não conseguir ler um bom livro.

É preciso exercício, autocontrole, e ao mesmo tempo o descontrole de viajar sem sair de onde está.



sexta-feira, 10 de abril de 2015

A Resposta para o post "Atenção! Mulher no volante."



NA SAÍDA DO ESTACIONAMENTO - PARTE II

Eu: - Ô, Tiozinho*...Lembra do senhor de ontem? O que tava com carro atrás do meu!

* Não o chamo assim, chamo pelo seu nome, que é bem caricato e que eu faço questão de NÃO substituí-lo por um outro fictício sem graça. Então fica "Tiozinho" mesmo!
     
Tiozinho torce os olhos forçando a memória: - Aaaah, aquele é o pa-trão!

Eu: - Acredita que ele ficou me ensinando a tirar meu carro da vaga?

Tiozinho franze a cara toda, dizendo: - Liiiga não! Patrão é daquele jeito com todo mundo! ( e o tiozinho faz uma atuação de hiperativo, imitando o chefe lidando com os clientes)

Eu: - Aah, tá explicado então! Pensei que fosse preconceito com mulher na direção! (risos)

Tiozinho: - Que nada, minha filha! Ele era coronel do exército, é aposentado, por isso é desse jeito...

Eu: - Aah tá! E ele vem sempre aqui?

Tiozinho: - Não, mas quando vem...

E o Tiozinho finaliza o papo com: "Quer um patrão desses pra você?"


MORAL DA HISTÓRIA:
sento e choro, a pessoa preconceituosa comigo dirigindo sou Eu!


quarta-feira, 8 de abril de 2015

Atenção! Mulher no volante.


Hoje, na saída do estacionamento, onde eu ponho e tiro meu carro todo dia (vale frisar, todo dia), tinha um carro atrás do meu. 

"Tem um carro atrás do meu", avisei pro funcionário mais velho do estacionamento, e também o mais simpático. Perguntou qual era e foi atrás da chave, mas quem apareceu foi o próprio dono do veículo, um homem nos seus 50 anos, magro, alto, do cabelo branco.

Tirou o carro com uma rapidez sem precedentes, quando vi, ele já estava de pé, do meu lado esquerdo, falando alto o passo a passo pra eu sair da minha vaga. Pensei "Ele nem suspeita que faço isso todo dia sozinha, sem ajuda". Ele julgou que era minha primeira vez fazendo aquilo:

"Do jeito que você tá aí, você sai. Isso, reto!
 Quando chegar na coluna, já pode ir fazendo o giro, a direção vai depender do lado que você vai sair daqui...."

Achei aquela solidariedade desnecessária engraçada. Fiquei sem graça de ignorar a ajuda e meio que passei a fingir que precisava dela. Para ser mais convincente, tentei me colocar novamente na posição dos meus primeiros dias na direção ( desde outubro do ano passado).

Achei o gesto bonito, mas admito que a primeira coisa que refleti foi: "Eis aqui uma espécie de 'pré' conceito: mulher, cara de menina, volante,  mulher..." 

Se não foi isso que passou pela cabeça dele, o que mais o faria pensar que eu precisava de ajuda? Não me deu nem chance de mostrar meu potencial para a manobra de sair de ré da vaga sem ele dar pitaco (ô, dica!).