Neste exato momento, faltando pouco pra meia-noite, eu compartilho o espaço do meu quarto com uma barata. Ela parece bem desperta, e digo mais, bem esperta. Ouve o barulho que minhas chinelas fazem e abre caminho, enquanto a espanto como quem tange um gato de rua, ladrão de carnes descongeladas na pia. Dou a entender que o canto é meu, e que ela não é bem-vinda. Tenho indisposição pra procurar veneno para baratas perdido dentro de casa; além do mais, lembro que isso vai deixar os ares do meu cantinho um tanto tóxicos.
Concluo, enfim, que não vale a pena aplicar o veneno na tal da barata; meu estômago não suportaria se eu fizesse o que meu irmão faz: celebra seu sentimento de vingança contra a coitada da barata, afogando-a numa piscina de “lama” mortífera ou, como frequentemente acontece por conta da pouca eficácia desses inseticidas, de “lama” da morte lenta, em que a barata pira o "cabeção" e sai por aí com suas antenas tontas e pegajosas. Também está fora de cogitação esmagar isso, pisando e esfregando no chão com a dancinha diabólica do pé.
Eu prefiro nenhuma dessas alternativas. Acho que faço parte do percentual insignificante de mulheres adultas que não manifestam pavor por baratas. Ajo tranquilamente, com uma única condição: desde que a tal da barata seja “pedestre”. Qualquer indício de um par de algo que faça aquela coisinha alçar voo, meu cérebro automaticamente ordena uma gritaria involuntária e, definitivamente, incontrolável. Apenas duas reações: o grito e o simples instinto de manter total distância, correndo. Acho até que, pra me sair de uma dessas, seria capaz de fugir pra rua só de camisola mesmo, e doar meu quarto, minhas coisas, meus livros pra tal da barata.
Então, é assim: depois de identificada como barata “pedestre”, mantenho a serenidade que me resta ao final de cada dia. Claro, penso em tomar algumas medidas pra evitar a indesejável, evitar só, porque exterminar esse tipo de “coisa” é, com certeza, missão impossível.
Eu costumo pensar no lado bom: ora, se ela está em busca de alimento para baratas, nada vai me acontecer; jamais faria parte do cardápio dessa coisinha asquerosa. E no fim de tudo, eu até me identifico com a bandida! Ela tem hábitos noturnos e eu também. Ela sai atrás de comida, eu saio atrás de algo que eu goste muito de fazer no meu raro tempo livre da semana: escrever sobre bobagens e sobre outras coisas que ficam martelando na minha cabeça. E assim como a barata, usufruo do silêncio da calada da noite e de sua irresistível solidão.
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