Pela janela do carro eu vi uma (...) menina de rua, menina mendiga, pedinte.
Menina indigente, embora sim, gente, feito a gente. E embora ainda muito diferente, pelo menos pra gente e este nosso olhar preconceituoso. Este olhar que avista uma distância surreal. Mas ela está tão perto. Eu estava tão perto dela. Pude ver uma (...) menina assanhada, descabelada, menina da vida, talvez, menina da vida miserável, apenas. Quem sabe uma menina-menino, menina-mocinha, menina- mulher, já mulher, ou simplesmente menina-menina.
Parece mentira, mas, nos poucos segundos que o tempo me concedeu, já que o pé do motorista pisava no acelerador sem piedade, eu flagrei esta menina, com o sobrenome-adjetivo qualquer que seja, checando sua aparência através do reflexo no vidro da janela traseira de um carro estacionado ali, no centro da cidade. Ela estava no centro de Fortaleza e no centro, no foco da minha visão. O reflexo dela não estava só no vidro daquele carro, estava também em meus olhos. Eu permiti que ela se refletisse em mim. Coloquei-me em seu lugar e quase a compreendi. Assim, eu pude vê-la sendo apenas uma menina vaidosa; menina maltrapilha, mas, ainda assim, vaidosa. O que é de se espantar, pelo modo como estava caracterizada.
Reparei primeiro nos seus cabelos presos e, mesmo assim, descabelados. Vários fios se rebelavam contra o coque sujo. Arredios, eles se espalhavam em todas as direções, encontrando abrigo no vento que o mar soprava. Estava vestindo um blusão cinza escuro, largo e mais comprido que seu tronco. Ali, uma menina sozinha e com as mãos hiperativas, ansiosas para adestrar a madeixa rebelde.
O par de olhos atentos ao vidro do carro que transformou em espelho, como se estivesse num quarto imaginário, como se tivesse um arsenal de maquiagem que a deixasse mais bela. Pra quem ela estaria se arrumando? Pra ela mesma, quem sabe. Para um "paquerinha/ficante", talvez? Menina de rua também pode se apaixonar; pode também gostar de namorar, não pode?
Não acho que ela estava brincando de conto de fadas (" Espelho, espelho meu"); ou estava? É possível que criança de rua brinque assim? Ou será que sua má aparência estava dificultando ela conseguir uns trocados? Alguém poderia confundí-la com uma ladrazinha:"vai trabalhar, vagabunda!", poderia esbravejar um proprietário de um restaurante das redondezas, caso ela entrasse no estabelecimento deixando os clientes enojados.
Sei lá, ela pode ser uma menina de rua vaidosa apenas.
6 comentários:
Você escreve com a alma, a minha sensibilidade sente como se estivesse vivendo a cena! Maravilhosa escritora, continua escrevendo menina!!!
Obrigada, Silvia querida. Continuo sim, pode deixar! ;)
Abraço demorado!
Excelente texto,como todos os outros.
Pobre menininha
"Eu permiti que ela se refletisse em mim." Como todas as outras, palavras lindas!
E como em todos os textos, Elaine, tu me emocionou.
Osvaldo, Inaie, bem vindos! (:
Ah, e obrigada, Osvaldo! Fico muito feliz de saber que você gosta =)
E Michele, é tu que me emociona ao enxergar a menininha comigo <3
abraço, gente!
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