Porque janelas e portas abertas não são suficientes pra ver o mundo e as pessoas lá fora, tive que demolir uma das quatro paredes.
quinta-feira, 17 de novembro de 2011
Negro bichano
Dia desses, acompanhei só com o olhar um momento alheio de descontração. Era de um bichano preto. Supertições à parte, era apenas um gatinho preto, sem magia negra, sem simbolizar sorte, sem sete vidas, enfim, era só um gatinho num terreno baldio com tapete de mato assanhado e careca em algumas partes.
Ele estava ali, logo na descida da ponte, de manhã cedinho, trânsito caótico, clima de segunda-feira, de compromissos à espera. Só ele não tinha compromisso algum. Estava brincando de caçar borboletas invisíveis aos nossos olhos. Tinha um olhar astuto de gato. Ainda bem que não era de noite, se não, me assustaria com o brilho intenso de seus olhos enigmáticos.
Lembro de quando era criança. Havia uma grande janela sempre aberta na área de inverno, pela qual os bichanos desconhecidos invadiam minha casa toda noite. Quer dizer, não sei se era toda noite; só flagrei uma vez um perto da porta do meu quarto. Libertei um grito de pavor. Afinal, era um invasor na calada da noite. Mais pareciam duas bilas fluorescente a flutuarem na escuridão. Encaravam-me fixamente; não eram como vagalumes piscando. As bolinhas não titubeavam, mantinham-se acesas, brilhando pra mim.
Felizmente, já superei esse trauma de infância; ou pelo menos acho que sim, já que desde esse dia nunca mais fui surpreendida ao ter de corresponder, mesmo que sem querer, ao olhar de um negro gato nas trevas de uma ausência de luz.
O fato é que aquele lindo gatinho, concentrando-se na caça invisível, depois dando pulinhos e atirando suas patinhas contra o vento, deram um novo significado para minha rotina e para a de quem mais olhou, enxergando, aquela cena como um presente enviado dos céus. E embora aquele animalzinho peludo tivesse uma cor tão escura, conseguiu colorir bem nossos arco-íris preto e branco.
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