Há qualquer momento, pode está certo, será postada aqui mais uma lembrança de infância. A minha caixinha de memórias mais parece um baú aberto, sempre com a tampa escancarada. Eu vou até ele e às vezes nem me dou conta que já fui lá revirar alguns itens simbólicos. As pessoas costumam contemplar retratos. Já eu faço isso raramente, porque minhas recordações já se fazem muito vivas. Desse jeito, eu nem preciso de fotografias para me transportar para a época tal, situação tal, sentimento tal qual do momento relembrado.
As coisas e fatos recordados passam como um filme projetado dentro de mim, não como imagens rapidamente sequenciadas e envelhecidas pelo tempo, e sim lentamente e de forma clara e atual numa resolução quase perfeita, se não fossem algumas cenas embaçadas em que não consigo visualizar rostos e lugares bem definidos.
Não só de imagens são feitas as minhas lembranças. Coleciono diálogos da vida real e das vidas contadas nos livros. A minha história nesse mundo de nosso Deus e povo é permeada de trechos de canções com os quais me identifico. Assim como se encontram lá na linha do tempo do Facebook, essas letras, notas e tons ficam registrados em mim, chegando até mesmo a compor meu caráter. Meu pai comenta um tanto abismado que eu conheço todas as músicas da face da Terra, que eu só sei viver o tempo todo ouvindo música. É, quanto a essa última afirmação não acho que seja exagero dele não, mas, quanto à teoria de que conheço todas as músicas, é humanamente impossível.
Com isso, todo dia eu aprendo algo com composições musicais alheias e com os livros e com as pessoas conhecidas e anônimas e com meus próprios deslizes, enfim, com as muitas coisas da vida. Coisas que me rodeiam e que rodeiam os outros. Observo esses outros enquanto caminho na rua ou em pé na parada de ônibus ou da janela do veículo. Fico curiosa com suas histórias de vida. Não quero saber o que eles fazem, suas profissões; quero saber como eles são, se são severos, sensíveis, sinceros. Se são pais, avós, noivos. Se são o que os outros querem que eles sejam ou se puramente eles mesmos. Penso que essas pessoas todas dariam bons personagens de um Romance ou inspirações para poemas.
Dia desses, peguei a carona matinal do meu Pai. Ele parou no sinal. Mesmo mal acompanhada pela sonolência acomodada comigo no banco, percebi o sorriso do senhor moreno de bigodinho branco. Ele não sorria pra mim; sorria pra vida. Comentei dando uma risadinha:
- Olha, pai. Acabei de ver um senhor todo sorridente a essa hora.
Notei que meu pai tem o mesmo hábito de observar gente, quando ele respondeu:
- Ah, sim. Ele fica nessa avenida o dia todo. Agora ele está ali, porque tem sombra lá. Mais tarde, ele vai estar em frente a um barzinho, em pé. Ele muda de posição de acordo com a localização do Sol. Ele passa o dia assim, sem nada pra fazer. Com certeza é aposentado e não gosta de ficar em casa. Aí ele vem pra cá, acompanhar o movimento. Fica olhando os carros passando...
Meu pai observou isso tudo dele e eu só consigo me perguntar até agora, curiosa como sou: " Ele estava sorrindo ao pensar em algo? Pensando em alguém? Achando algum motorista engraçado? Notando alguma situação divertida que não consegui ver com ele?"
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